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Bruna Kajiya: surfando o imprevisível

Três vezes campeã mundial de kiteboarding, a atleta conseguiu ir contra a maré e aumentar a representatividade feminina no esporte

Por Helena Galante
Atualizado em 21 out 2024, 16h31 - Publicado em 10 nov 2021, 09h00
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Bruna Kajiya por @anacatarinaphoto (./BOA FORMA)
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Como está o vento na sua cidade hoje? A maioria de nós pouco presta atenção nas brisas mais leves – e reclama das ventanias fortes. Para Bruna Kajiya, porém, a preferência é oposta. Três vezes campeã mundial de kiteboarding, a atleta precisa de uma forcinha da natureza para realizar as manobras da modalidade freestyle que tiram o fôlego de quem assiste.  

A partir desta quarta (10), ela disputa a final do GKA Freestyle World Cup na praia do Cumbuco, no Ceará, um dos melhores pontos do mundo para a prática. “Eu lido com o vento. Por mais que eu tente saber o que vai acontecer, eu não consigo”, conta ela em entrevista exclusiva para a BOA FORMA. Antes de cair na água, ela fala ainda sobre o pacto que fez consigo mesma para aumentar a representatividade feminina no kite, o medo das quedas e a vontade de cultivar mais bem-estar antes e depois das provas.

BATERIAS FEMININAS EM ALTA

“Quando eu comecei no kiteboarding, quase não tinham mulheres”, lembra Bruna. Se faltavam referências femininas fortes para se espelhar, sobravam vontade e coragem para se dedicar ao esporte. “Eu só queria velejar, queria estar na água o dia todo.” Ainda que a paixão fosse grande, foi preciso um incentivo da mãe para que ela trocasse a ida para a faculdade pelo sonho das competições. Quando finalmente entrou de cabeça, percebeu nas primeiras provas um comportamento muito estranho de quem acompanhava os campeonatos. “As pessoas usavam as baterias femininas como um break, para comer alguma coisa e esperar os homens voltarem para a água. Ali fiz um pacto: vou mudar isso!”

Atual inspiração para muitas atletas ainda mais jovens, ela sabe que já alcançou muito: “Hoje me enche de orgulho saber que o kite feminino é muito maior do que era.” Mas sonha alcançar ainda mais. Com o pai, aprendeu que ter garra, muita determinação, é vital para seguir em frente e vencer. “A competição é comigo mesma, com a vozinha na minha cabeça que quer me colocar para baixo”, afirma. Ainda que busque trabalhar o equilíbrio interno e organizar as emoções, relata uma sensação de desconforto extremo durante as competições. “Não sou o Buda. Minha mão está suando. Mas é nesse momento que trabalho para deixar o corpo livre e relaxado para fazer as manobras.” Bruna percebe que enquanto a educação dos meninos os incentiva desde cedo a lutar desde cedo pelo que se quer e não ter medo de estar em evidência, a educação das meninas vai no caminho contrário. No que depender dela, porém, o futuro será diferente. 

COMO ESTAR BEM ANTES E DEPOIS DAS PROVAS

Em outubro, Bruna participou do Sertões Kitesurf, o 1º rally de kitesurf de longa distância do mundo. Diferente do mundial, que demanda uma maior carga de treino específico para as manobras complexas, o rally exige disposição para estar inteira muitos dias seguidos. “Depois de horas no sol do Nordeste, sem uma única nuvem no céu, o risco é de uma insolação, uma desidratação. Tecnicamente, a prova é simples, mas é preciso lidar com a ansiedade e não queimar a largada no primeiro dia”, diz Bruna. “Me preparo para estar bem antes e depois da prova. Para isso, é importante descansar, o que nem sempre é fácil para mim.’’

Mesmo nos momentos de relaxamento com a família, movimento é seu mantra.  “Faço vários esportes, é quase um problema conseguir parar. Quero surfar, quero jogar alguma coisa, dar uma corrida, uma suada ou fazer snowboard com meus amigos” diz, cheia de empolgação. “Mas aprendi que é bom para a minha recuperação pegar leve, fazer yoga, ler.” Criada em Ilhabela, no litoral de São Paulo, ela ama cachoeira e mato. É onde sente que recarrega as suas energias para dar conta da rotina de viagens e treinos.

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MELHOR FASE

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“Me sinto muito melhor hoje, com 34, do que quando tinha 25. Bruna Kajiya por @anacatarinaphoto (./BOA FORMA)

Tanta energia é fruto da dedicação intensa ao bem-estar integral. “Me sinto muito melhor hoje, com 34, do que quando tinha 25. Isso é um produto direto do meu treino.” Isso não significa necessariamente treinar mais. O importante é treinar melhor. “Desenvolvi intimidade com o meu corpo. Sei quando estou bem, quando estou mais fraca ou mais forte, quando preciso desenvolver mobilidade ou alongamento.” A alta performance ajudou inclusive a lidar com o preconceito em relação à idade que muitas mulheres sofrem dentro e fora dos esportes também. “Hoje em dia eu lido com a idade numa boa, sei o trabalho que coloco na minha preparação e quais são os exercícios específicos que me ajudam.”

Desde que saiu de casa, aos 17 anos, foi uma longa caminhada, principalmente para aprender a se ouvir. “Passei por cima de mim um milhão de vezes para me adaptar ao mundo. Com o tempo, fui aprendendo que se não estiver aberta para as lições da vida, ela vai me trazer desafios cada vez maiores, para aprender na marra mesmo’’, conta. Quando pequena, não entrou em contato na família com práticas de meditação ou se aproximou de sua espiritualidade. Hoje em dia, porém, não abre mão de suas rezas e crenças para se fortalecer. “Sou super espiritualizada. Claro que há momentos de ansiedade, mas quando percebo que estou fora do meu centro, eu paro, respiro, me concentro no meu coração e converso comigo mesma.”

COMO LIDAR COM O MEDO NA RECUPERAÇÃO DE LESÕES

Foi ouvindo atentamente a si mesma que Bruna decidiu, por exemplo, adiar uma das suas cirurgias no joelho. “Acredito muito em se escutar, não importa se as pessoas vão te achar louca.” Ao dar entrada no hospital para o procedimento, percebeu que estava muito nervosa e sentiu que seria necessário tirar alguns dias para dar uma acalmada antes de encarar o centro cirúrgico. Naquela hora, ninguém conseguiria convencê-la a ficar e operar. Saiu de muletas e só voltou quando se sentiu pronta. “Passar por cima da gente é o que mais machuca. É preciso estar em paz consigo mesmo”, afirma. Depois de realizar o procedimento, teve certeza que esperar o momento certo fez a diferença. “A dúvida é o que mata. Para o atleta, a dúvida é a pior coisa que tem. Ele precisa estar confiante.” 

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Com histórico de três cirurgias no joelho, ela sabe do que fala. “Essa é a parte mais difícil, tem um aspecto psicológico e emocional envolvido.” Além do processo do bisturi, corte, ponto, fisioterapia e recuperação, outro fator pesa: “Fica um resquício do medo. Tenho uma responsabilidade muito grande, vira um desafio lidar com a nossa fragilidade.”

ENTRE ALTOS E BAIXOS

“Depois de tantas quedas, você acaba aprendendo a cair” – Bruna Kajiya por @anacatarinaphoto (./BOA FORMA)

Na busca por ousar nas manobras, muitas quedas fizeram parte do caminho. “Por mais que eu tente saber o que vai acontecer, não consigo. Fica uma coisa de última hora, como um gato. Depois de tantas quedas, você acaba aprendendo a cair. Mas tem hora que dá errado, a prancha está presa no pé, dói, machuca, não tem jeito. Mas a gente se acostuma.”

O cair e levantar fez parte também do aprendizado de lidar com diferentes etapas do trabalho fora da água. Desde o início da carreira, Bruna negociou seus próprios contratos com patrocinadores. “É difícil vender seu próprio peixe sem parecer arrogante”, conta. A experiência administrativa foi valiosa para compreender o que fazia ou não sentido e como era possível construir parcerias autênticas. “Já saí de empresas por não concordar com eles quererem sempre que eu estivesse de biquíni para a foto. Não é meu único valor.” Hoje, afirma que está alinhada com marcas que entendem sua forma de pensar.

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EQUILÍBRIO DA VIDA PESSOAL E PROFISSIONAL

A maior parte do tempo Bruna está atrás do melhor vento, na água. Viaja facilmente 300 dias por ano (são tantos dias na estrada que ela nem sabe responder onde mora). “Minha sorte é que meu namorado é atleta kitesurfista também”, brinca. Eles conseguem conciliar a agenda de treinos, ainda que ela goste da água lisa e ele precise de ondas. “Um entende muito as necessidades do outro e deixa livre. Não tem aquela coisa chata de estar tentando treinar e se concentrar para competir e a outra pessoa não entender o momento.”

Se cobranças na vida amorosa não fazem sentido para a atleta, as autocobranças também estão cada dia mais distantes. “Já tive épocas obsessivas, de seguir mil dietas restritivas. Percebi que não me fazia bem. Se hoje eu estou a fim de comer um bolo, tudo bem.” Hoje Bruna cuida de sua própria nutrição, entendo o que é viável seguir em cada condição de viagem de acordo com o momento do seu treino. Com uma única coisa, porém, não abre brecha nenhuma: protetor solar. “Entro e saio muito da água, reaplico, uso dois para garantir. Protetor solar é religião.” 

FLEXIBILIDADE E DETERMINAÇÃO

Foi com protetor solar no rosto e no corpo e muita disposição que Bruna Kajiya entrou no mar do Rio de Janeiro para a fotógrafa Ana Catarina clicar a capa da nossa edição de novembro. O tempo nublado e com pouco vento não ajudou, mas a dupla insistiu por dois dias até conseguir as lindas imagens desta edição. “O importante é tentar trabalhar sempre da melhor maneira.” Com tanto profissionalismo e paixão, não é difícil entender porque ninguém nunca mais quis usar a bateria feminina como break. Nossos olhos estarão fixos na praia de Cumbuco para acompanhar a próxima competição.

anacatarinaphoto

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Esse especial faz parte da edição de novembro de 2021 de Boa Forma,
que traz a atleta Bruna Kajiya em sua capa. 
Clique aqui para conferir os outros especiais.

 

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