Com frequência, quando ouvimos a máxima “nasce uma mãe, nasce a culpa”, quase todos que estão envolvidos com a maternidade concordam, a começar pela própria mãe!
Não à toa a frase se tornou uma espécie de portal para o universo de implicações da maternidade. Queiramos ou não, a culpa se assemelha a um pedágio para adentrar no mundo poderoso, contraditório, espantoso e intenso do que é ser mãe.
Há algumas décadas, alguém sábio e bem intencionado, ao ouvir os perrengues da maternidade, dizia em alto e bom som: “ser mãe é padecer no paraíso.” De fato, por muitos séculos, a mulher, no âmbito doméstico, era a maior responsável pela vida familiar, cuidando da casa, marido e filhos. Foi dessa faina diária que lhe nasceu a culpa?
Em 1970, uma parte das mulheres passou a ter controle sobre a reprodução e pôde aspirar ao direito às suas liberdades essenciais.
Nos anos 1980-2000, ocorreu uma revolução nesse conceito. Quase silenciosamente, recolocou-se a maternidade no cerne do destino feminino. Aquela liberdade alcançada mostrou suas contradições, e ser uma boa mãe passou a ser normatizado. De um lado, houve uma mudança na situação da mulher, abrindo alternativas para o exercício da maternidade, inclusive com a opção por não ser mãe. De outro lado, surgiram manuais de como executar os cuidados maternos.
Algumas questões passaram a fazer parte da rotina da maternidade: sobre o que seria certo ou errado, a própria atuação como mãe, o dilema entre dedicação ao filho e atividade profissional, a necessidade de desejar e de ser desejada, o susto de, às vezes, sentir alívio ao estar distante do filho, o conflito entre o amor maternal e o cansaço, a irritação.
Sim, a maternidade traz a idealização do amor materno e a suposição de que o bebê aufere plenitude para a mulher que deu à luz. Sem dúvida, não existe nada com mais poder que a mãe. Todos nós nascemos de uma mãe. Ser mãe pode representar, para muitas mulheres, um gozo de poder imenso. É ela que nos diz quem somos e de onde viemos.
Nem sempre é fácil para as mulheres perceberem e dimensionarem o tamanho desse poder nem da sua influência na vida delas. Quase sempre são engolidas por culpas provenientes de exigências descabidas, originados no modelo fantasiado de maternidade, que advém da própria mãe da mulher e/ou é alimentado pela suposição de que existe uma maternidade perfeita. Acredite: a maternidade sempre será faltante!
A culpa materna decorre dessa lista de exigências, normas e regras que passaram a reger a maternidade atualmente. Grande parte dos conflitos que cercam a culpa materna tem relação com a opinião externa, com o olhar que o outro terá sobre a mulher e o que faz como mãe. Pasme: esse tribunal, que julga a maternidade, quase sempre se compõe de mulheres.
Em tempos de redes sociais e predomínio da imagem, a tendência é de que mais conflitos se criem em torno da maternidade. Quase que são inventados pesos e medidas do que é ser uma boa mãe.
Alguém sabe definir? Com certeza, não. Cada dupla de mãe e filho é única, ímpar e definida pela história dos pais e da família.
Como se lida com tudo isso? Cada mulher pode ter consciência do tamanho do seu poder, escolher de forma independente o que a motivou a optar pela maternidade e saber que terá sempre que ajustar, negociar e adequar demandas, às vezes, contrárias e intensas.
Bom seria que a maternidade pudesse ser vivida de forma absolutamente autoral e que, ao invés de “padecer no paraíso”, cada mulher pudesse “paraisar no padecer”, como diz um amigo bem humorado.
Dra. Blenda de Oliveira, psicóloga clínica