Até ontem, você dormia normalmente. De repente, começou a ficar difícil pegar no sono. A cabeça parece cheia de pensamentos que não cessam nunca e você não sabe o que fazer. Ou, pior ainda, você acorda no meio da noite sem motivo aparente. Acordar é uma dificuldade sem fim, e a hora de dormir virou um martírio. O cansaço atinge níveis absurdos e você só consegue pensar no quanto quer dormir direito, mas fica com medo de não conseguir, mais uma vez.
Alguma dessas situações soa familiar? Pois é, em tempos de pandemia de coronavírus, a qualidade de sono foi muito afetada, seja por conta da ansiedade gerada pela situação, seja pelo estresse causado pelo excesso de trabalho e a sobrecarga de trabalhos domésticos. As preocupações em relação à economia do país também têm influência nesse mix que, no fim das contas, deixou todo mundo muito mais exausto do que se imaginaria.
A questão é que, muitas vezes, você nem percebe que está dormindo mal – aparentemente, você dorme a noite inteira -, mas o seu corpo começa a indicar que alguma coisa não vai bem durante o dia. Por isso, fomos investigar como melhorar a qualidade do sono de forma definitiva, com dicas que você pode usar e reutilizar se um dia tiver dificuldades novamente.
Como saber se não estou dormindo bem?
A pergunta parece óbvia, mas, acredite, nem sempre é fácil perceber que o seu sono está alterado. A dificuldade para adormecer e o acordar no meio da noite são sinais muito claros, mas essa falta de sono se manifesta também de outras formas.
“A privação do sono pode trazer prejuízos físicos em curto prazo, que se manifestam com um quadro de sonolência, fadiga física e mental”, explica o Dr. Alan Eckeli, professor de neurologia e medicina do sono da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (USP). “Também pode aumentar a irritabilidade, o ‘pavio fica mais curto’, diminuir a empatia, aumentar sintomas de impulsividade por alimentos, como doces, entre outros fatores. Ainda pode haver acidentes de trabalho e automobilísticos devido aos reflexos serem prejudicados.”
Segundo ele, a privação de sono é um fenômeno mundial, que já faz parte da sociedade moderna em que vivemos hoje – e onde existe uma supervalorização do estado de vigília e uma desvalorização do estado de sono. O problema disso é que o descanso se tornou um problema e o acelero da vida hiperconectada está cobrando o seu preço, principalmente, nas noites de sono. É por isso que a privação está tão relacionada também com questões mentais e emocionais.
“Do ponto de vista mental, a nossa capacidade de memória fica reduzida, inclusive a capacidade de linguagem, escrita ou falada, com uma chance maior de erros”, continua o médico. “A privação pode causar também uma disfunção e gerar uma dificuldade de planejamento do que a pessoa irá fazer no dia a dia. Além da questão da relação interpessoal, porque, quando se está mais irritado, há uma chance maior de conflito em relacionamentos pessoais.”
A longo prazo, essas questões podem gerar quadros mais sérios, tanto no aspecto de transtornos de ansiedade quanto de humor. “Ou seja, dormir pouco de maneira crônica aumenta as chances de depressão ou até mesmo de síndrome do pânico”, diz.
O problema é dormir pouco ou dormir mal?
Para o médico, não existe uma regra em relação ao tempo médio de sono. Segundo ele, essa é uma questão absolutamente pessoal: para algumas pessoas, 6 horas de sono são o suficiente, para outras, de 9 a 10 horas são o ideal.
O mais comum é vermos também como o dormir pouco é resultado de um estilo de vida mais agitado. Quando mais novos, em que as amizades são muitas e sair de casa o fim de semana inteiro era regra, era normal irmos para a cama de madrugada e acordarmos relativamente cedo no dia seguinte – isso é um resultado de uma fase de vida. No entanto, a capacidade de lidar com a privação do sono diminui conforme o processo de envelhecimento.
“A longo prazo, isso vai atrapalhando o dia a dia. Com relação à privação do sono constante, esse dormir menos do que 6 horas, tem uma diminuição de sobrevida – o que tentamos evitar na medicina”, continua o profissional.
Os efeitos colaterais consequentes da falta de sono podem ser reversíveis ou não – tudo depende do tempo dormido. Compensar as noites mal dormidas no final de semana – o chamado jet lag social – de forma constante pode gerar efeitos no bem-estar geral que são irreversíveis. “A forma mais eficaz de reverter isso é tentar dormir o tempo necessário todas as noites”, explica.
Outro ponto importante também é que as questões relacionadas ao sono entram em um ciclo – assim como a falta de sono pode alterar o emocional, o emocional desestabilizado também pode atrapalhar o sono.
“Em um evento agudo eu desencadeio um quadro de ansiedade aguda”, diz o Dr. Alan. “Necessariamente isso pode levar a um quadro de desequilíbrio emocional, que pode elevar meu estado de alerta, trazendo uma dificuldade maior de entrar no estado de sono. Eventos da esfera emocional com certeza impactam no sono de maneira geral. Quando esses eventos emocionais são negativos, eles impactam promovendo um quadro de insônia, seja inicial (quando demora até 30 minutos para pegar no sono), ou de manutenção (depois que dormiu, fica pelo menos 30 minutos acordado, ou tem vários despertares).”
Como melhorar a noite de sono?
Dito isso, a pergunta que fica é sempre a mesma: mas, afinal, como melhorar as noites de sono? Para o médico, o ponto inicial deve sempre ser trabalhar na causa, ou seja, investigar o evento que tem causado o desequilíbrio emocional que está afetando o sono. “O controle do fator irá levar a redução de sintomas do desequilíbrio emocional e consequentemente melhorar a qualidade do sono”, diz.
Para isso, é possível contar com ajuda profissional. Buscar um terapeuta ou psicólogo que colabore para a manutenção do emocional e diminuição do estado de vigília é o primeiro passo para melhorar o sono. Em seguida, vem um ajuste de rotina: se o problema é a sua carga de trabalho, que tem gerado muito estresse e ansiedade, então o ideal é conversar com os seus superiores ou delegar algumas tarefas. Independentemente do caso, é importante lembrar que esses processos não são imediatos e levam tempo.
“Em situações em que o ajuste do sono não acontece, em que você é surpreendido por alguma coisa terrível em sua vida, como um luto, que leva você a um quadro de sofrimento, má qualidade de sono e de vida, a maneira como cada um lida com isso varia. Porém, se perdurar por muito tempo, virando um quadro mais crônico, é importante procurar um profissional de saúde para tratar a causa e cuidar da qualidade do sono”, explica o especialista.
Fora isso, vale lembrar que existem muitas atividades cotidianas que melhoram a qualidade do sono por tabela, ao mesmo tempo que garantem um estilo de vida mais saudável. São elas:
- Fazer atividades físicas: além de melhorar o sono, a prática de exercícios diminui o estresse, combate a depressão e melhora a sensação de bem-estar.
- Evitar cafeína depois das 15h: por mais que o cafezinho da tarde seja delicioso, a verdade é que ele não é amigo do bom sono. Se possível, tome a sua última xícara até às 15h e evite bebidas com cafeína após esse horário.
- Desligar telas uma hora antes de dormir: por mais que elas sejam super presentes no nosso dia a dia, estudos comprovam que o uso de telas (como televisão e celular) interferem na qualidade do sono. Por isso, o ideal é desligá-las até uma hora antes de deitar.
- Faça refeições leves: nada de churrasco ou feijoada logo antes de dormir! Aposte em refeições mais leves e fáceis de digerir.
- Prepare o ambiente: deixe acesa apenas uma luz mais quente, arrume a cama para dormir, coloque uma roupa adequada (mesmo que não seja o pijama dos seus sonhos!) – ajustar o ambiente para a hora de dormir faz muita diferença.
- Tome um banho quente: a água quente não só relaxa como faz o corpo trabalhar para manter a sua temperatura ideal, isso significa que, em até meia hora, você vai se sentir mais sonolento e relaxado.