Ao chegar no estúdio para a realização das fotos para a capa digital de Boa Forma, Formiga causou alvoroço: “É a Formiga?! Olha lá, é a Formiga! Obrigada, Formiga!”, disseram os fãs da nossa maior recordista na seleção feminina de futebol. Com a camisa oficial foram 26 anos de trabalho, 152 vitórias, 7 Copas do Mundo, 7 Jogos Olímpicos.
No fim do ano passado, a despedida da #F8rmigaInterminável, ou Miraildes Maciel Mota (como sua mãe, Dona Celeste, escolheu) foi marcada por muitas lágrimas dos fãs. Mas não significou, ainda bem, um adeus aos campos. Aos 44 anos, Formiga segue atuando pelo São Paulo, clube onde começou a carreira ao chegar de Salvador, sua cidade natal. Também estreia como comentarista da Copa do Mundo na Globo. Confira a entrevista exclusiva com a lenda do futebol que nunca perdeu os pés no chão, ou melhor, na bola.
Boa Forma – A Copa do Mundo está chegando! Como está a sensação? Está sendo maravilhoso! A expectativa é enorme. Estou ansiosa, falta pouco. É um privilegio para poucos estar comentando uma Copa masculina. Antes, não tinha espaço para isso. Está sendo tão fantástico que às vezes me faltam as palavras. Nunca me passou pela cabeça chegar aqui.
Você irá viajar para o Catar para ser comentarista? Vou ficar aqui, em função dos treinos. Vou estar em competição. Mas gostaria de estar lá para sentir tudo que envolve a Copa masculina. Estou mais acostumada com essa energia do mundo feminino. O futebol feminino ainda está se encaminhando para esse patamar.
Não é sua primeira vez nessa função. O que achou da experiência? É um pouco estranho. Estava do outro lado, agora estou do lado de cá. Mas quando comentei a Copa América, até que não foi aquele baque. Só é preciso ter muito cuidado com os comentários, sem atacar os atletas e a comissão, mas cobrando a boa performance.
Como é olhar para a sua trajetória no futebol feminino? Você tem a percepção do tamanho da sua contribuição? Fico feliz, de verdade. Mas não é só o meu trabalho, como também o de tantas outras. Não me coloco num pedestal. O futebol feminino é uma luta constante de muitas mulheres. E ainda não estamos no patamar ideal. Quem não ficaria feliz e honrado em ter trabalhado e plantado uma sementinha? Um dia vamos colher, mesmo que ela ainda não esteja madura.
O início da sua paixão pelo futebol foi difícil? Só eu jogava no meio dos meninos, os pais das minhas amigas as proibiam de jogar, tinham medo que falassem que as meninas não prestavam por causa do futebol. Eu mesma fui proibida pelos meus irmãos, mas continuei. Não tive referência. Só com 14, 15 anos, descobri que tinham outras meninas que faziam o que eu fazia.
Quando percebeu que esse era o seu caminho mesmo? Meu negocio era bola, bola, bola. Vim entender que o futebol poderia ser uma profissão mais tarde, com 23, 24 anos. Não senti o tempo passando, eu queria jogar futebol. Até entender a paixão como trabalho, pude aproveitar minha infância, minha juventude. Isso me ajudou muito.
A disciplina profissional foi desafiadora? Na verdade, sempre tive essa parte da disciplina, mesmo levando o futebol antes como hobbie. Minha indisciplina era querer jogar um jogo atrás do outro. Correr era comigo mesmo, não tinha isso de conservar meu corpo, minha perna. Era jogo? Bora! Um atrás do outro? Bora! Depois, com a maturidade, fui entendendo que o descanso faz parte do treino, graças a meu bom Deus!
O que aprendeu sobre foco com a profissão? O estresse mental atrapalha muito na evolução dentro de campo. Se a concentração diminui dentro de campo, se você não está com apetite total de estar ali, se está desanimada, tem que reagir. Foi o que eu quis pra minha vida.
A saída da seleção brasileira de futebol feminino, após 26 anos de dedicação, foi tranquila? Estou com o coração tranquilo. Quando você se programa para aquilo, como eu me programei, e não é mais convocada, não ficam mágoas ou dúvidas. Em 2016, tinha saído da seleção, mas por insistência dessa pessoinha aqui [a esposa Érica], retornei. Dei meu melhor sempre, em todos os sentidos. Incentivei, ajudei bastante.
Sentiu ao longo dos anos uma mudança em relação ao preconceito ou ainda é muito forte? Ainda tem uns babacas que acham que futebol não é para mulher, mas hoje é uma minoria, bem menos do que quando comecei. Hoje posso dizer que temos voz para expor o que acontece. A gente era retraída, não nos davam oportunidade. Hoje tem lugar de fala. Ainda assim, recebe enxurradas de preconceito, passamos por cima.
Quais os seus grandes sonhos? Realizei um depois de muitos anos que era levar minha mãe para ver a minha última partida com a seleção no Estádio em Manaus. Ela morria de medo de avião, não queria ir. Estou flutuando até hoje! Zerei a vida, zerei o game vendo minha mãe ali.
Lida bem com os pedidos dos fãs por autógrafos, fotos? Sei que tem pessoas que não gostam, mas acredito que temos que estar preparados para isso, como pessoas públicas. Não mudei o meu jeito, saio na rua com meu chinelo, minha bermuda, como eu gosto. A gente esperou tanto esse reconhecimento e agora que está tendo, vamos evitar? Não tem como negar um abraço, um atenção, para a pessoa que mostra um carinho.
Você é uma lenda, Formiga! Que mensagem deixa para outras gerações de atletas? A simplicidade do antes está aqui. Não perdemos a nossa essência, tenho a noção do valor do trabalho. O que foi conquistado não fez com que eu perdesse o caminho. Às vezes as meninas novas se perdem, dizem que querem andar só de Ferrari. Para mim, um carro tendo 4 rodas e me levando onde eu quero, não tem erro. Que mansão que nada, minha filha. Quero ter saúde!
- Fotos: Pétala Lopes (@petalalopes)
- Assistente de foto: Nathalia Costa (@naapazz)
- Styling: ᒪᑌᑕᗩᑎᔕ (@lucansss_)
- Beleza: Marcela Hanna (@marcelahannaf)
- Locação: Estúdio Garagem (@estudio_garagem)
- Direção de arte: Kareen Sayuri (@kareensayuri)