Apaixonada pelas artes desde a infância, Dandara Albuquerque se formou em Direito e passou na prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) antes de decidir seguir na atuação.
Apesar de ter traçado uma longa trajetória como advogada e de realmente se interessar pelo universo jurídico, em 2016, ela resolveu definitivamente fazer a transição de carreira.
Dois anos depois, após pegar seu diploma em Artes Cênicas, estrelou seu primeiro papel, em “Espelho da Vida“, novela das 18h da TV Globo, interpretando a personagem Sheila. Em 2019, fez parte do elenco de “Bom Sucesso“, da mesma emissora, e, em 2021, brilhou dando vida à Neferíades em “Gênesis“, da Record TV.
No ano de 2023, Albuquerque chegou ao streaming, participando de “Vicky e a Musa“, obra de comédia musical produzida pela Globoplay.
E os trabalhos nessas plataformas não pararam por aí: a atriz foi Bia em “Cilada“, outra produção da Globoplay, e a diretora Isabela, em “Luz“, primeiro projeto infantojuvenil da Netflix.
Em entrevista à Boa Forma, Dandara, de 35 anos, abre o coração sobre temas que vão além da carreira, incluindo sua relação com a dança, empoderamento, saúde mental, amadurecimento e mais. A seguir, confira a entrevista na íntegra!
De advogada à atriz
Como e quando começou a sua paixão pela arte?
Minha história teve algumas idas e vindas. Eu acho que a gente nasce com a alma de artista. Quando eu era criança, eu sempre fui muito estimulada a fazer aula de dança, aula de teatro, sempre tive contato com a arte. Durante a minha infância, ela foi bem presente.
Na minha adolescência, me aproximei mais da dança e comecei a fazer dança de salão. Até que chegou a época do vestibular, que é quando cai a ficha de “a vida adulta está aí, preciso fazer uma escolha”. Nesse momento, acabei me desconectando muito da arte, até porque tem aquela crença de que é difícil viver de arte e que você precisa ter um plano B.
Como eu vinha de uma relação com a dança e eu realmente já tinha visto como era complicado para os artistas e o quanto eles batalhavam pela estabilidade, eu resolvi escolher uma profissão “séria”, que proporcionasse essa estabilidade, e decidi pelo Direito. Eu tive uma trajetória longa no Direito. Fiz 5 anos de faculdade, estudei para a prova da OAB e depois teve a pós-graduação.
Por muitas coincidências da vida, o próprio Direito fez eu me aproximar novamente da arte, eu cheguei a ser estagiária do Jurídico da Rede Globo enquanto eu estava na faculdade. E eu brinco que o Direito me fez olhar para a arte de novo.
Eu escolhi o Direito porque eu sou uma pessoa muito otimista e eu penso muito em deixar a minha marca no mundo, e, durante muito tempo, eu achei que essa profissão seria a forma como eu faria a diferença, defendendo meus ideais e o que eu acredito. No entanto, eu comecei a perceber que não era bem por aí.
Então, paralelamente à faculdade, eu decidi cursar teatro, e percebi que eu ficava muito mais feliz durante aquela uma hora no curso de teatro do que no restante do dia enquanto eu lidava com o Direito.
Eu me orgulho muito de ter feito Direito, foi algo que me trouxe muito entendimento sobre a sociedade, porém, de fato, não é algo que eu gostaria de fazer para o resto da vida.
Aí, eu fui retomando essa conexão com a arte de novo. Eu terminei a faculdade, comecei a trabalhar com publicidade, e, nessa trajetória, aos poucos, fui entendendo que a arte era realmente o que eu queria.
E acabou chegando em um momento no qual eu tinha que fazer uma escolha. Em 2016, quando eu terminei a pós-graduação, eu pensei ‘vou retomar esse caminho da arte’. No mesmo ano, entrei na Casa das Artes de Laranjeiras (Cal) para fazer Artes Cênicas. Em 2017, fiz uma Oficina de Novos Atores da Rede Globo. E, em 2018, quando me formei na Cal, fui chamada para fazer minha primeira novela, que foi “Espelho da Vida”.
Não é uma história linear. Eu tive muito medo, muita dúvida, muito conflito. Hoje em dia, sou infinitamente mais feliz, e não tenho dúvidas de que o Direito foi muito importante para mim, mas realmente a arte é o que eu quero fazer para o resto da vida e eu espero que os caminhos sejam prósperos para que eu possa trabalhar com isso para sempre.
Qual foi a sensação de estrelar o seu primeiro papel?
Em “Espelho da Vida”, da TV Globo, a minha personagem foi a Sheila. Quando eu soube que eu tinha sido escolhida para fazer essa novela, eu até achei que tinha sido um trote, porque, às vezes, a gente deseja tanto uma coisa, mas a gente não para para pensar “e se der certo?”. Quando eu recebi a ligação, as fichas caíram todas de uma vez, e eu demorei um tempo para acreditar que o meu sonho estava se tornando real.
O diretor da novela me ligou e, quando ele falou “você topa embarcar com a gente nessa?”, foi muito emocionante, só de falar eu já consigo lembrar da sensação. Foi a confirmação de que eu realmente tinha feito a coisa certa.
Eu tinha muitos receios, principalmente porque tem muita gente boa no mercado e as oportunidades são escassas, ainda mais para mim que sou uma mulher negra. Me parecia um risco abandonar uma coisa que eu já tinha começado, que estava estruturada, para começar uma nova carreira aos 28-29 anos. Então, foi a confirmação de que eu tinha feito a escolha certa.
Foi um trabalho muito amoroso, eu fui muito bem acolhida pela equipe, eu só tenho recordações boas. As pessoas foram muito pacientes comigo, porque eu vim de uma formação de teatro, mas TV é outra coisa. Eu tive uma troca muito legal com a direção.
Acho que meu maior desafio foi a rotina de gravação e decorar o texto. Além disso, a personagem era mineira, então, teve a questão do sotaque que eu tive que me desafiar. São detalhes do dia a dia que você só consegue aprender fazendo mesmo. No geral, foi incrível e é um trabalho que eu guardo no fundo do meu coração.
Sendo uma mulher negra, como você se sente ocupando esses espaços?
Quando eu estava fazendo “Espelho da Vida” e a minha personagem estava tendo repercussão, eu comecei a receber mensagens de pessoas que acompanhavam a novela e algumas me marcaram muito.
Teve uma mãe que me disse que a filha pequena não gostava do próprio cabelo, mas, quando me viu na televisão, me achou linda e sentiu vontade de usar o cabelo natural. E eu acho que eu fui entendendo o que realmente significava aquele espaço.
Por mais que eu tivesse preparada, quando as coisas vão acontecendo, é que você vai notando como ter uma mulher negra ocupando esse espaço tem força na construção do imaginário social. E eu encaro isso como uma missão e com muita responsabilidade, porque eu sei que as oportunidades ainda são escassas.
Então, quando um trabalho chega para mim, eu abraço da melhor maneira possível para que eu consiga representar muito bem não apenas o papel, mas também esse lugar de uma mulher negra ocupando um espaço de visibilidade.
Eu tento levar essa ética para a minha vida, de poder ser inspiração, não em um lugar de perfeição, porque eu sou humana, mas um lugar de poder compartilhar meus aprendizados, desafios, dúvidas, medos e inseguranças. É uma responsabilidade que eu estou disposta a abraçar.
Nós, pessoas negras, queremos nos ver representadas ali. A gente representa uma grande parcela da população do nosso país, então, não faz sentido não nos vermos na televisão. Eu acho que isso está melhorando, mas ainda tem um caminho muito grande pela frente.
Eu, particularmente, amo fazer televisão, teatro, ser artista é gostar um pouco de tudo. Mas, a televisão é um veículo de comunicação que, no nosso país, chega em lugares nos quais outros meios de arte ainda não chegam tão bem assim. Então, para mim, a TV tem esse poder de construir o imaginário social.
Durante muito tempo, a gente viu pessoas negras ocupando papéis de submissão, subalternidade, e não que esses personagens não existam, mas o que precisamos entender é que não existe só isso e que existem outras possibilidades.
Eu acredito que um grande poder da arte é fazer com que as pessoas voltem a sonhar. E, às vezes, as pessoas precisam ver o que elas podem ser para conseguirem acreditar na realização desses sonhos.
Quando as pessoas veem um artista negro na televisão, a criança vai entender que ela pode ser um artista, que ela pode sonhar e prosperar, que ela pode ser médico, advogado, ser o que quiser. A arte tem esse poder transformador de provocar debates.
Para além da gente ter pessoas negras ocupando esses lugares de visibilidade, eu acho que a representatividade é importante em vários setores. A gente precisa ter diretores negros, maquiadores que entendam como maquiar peles negras, escritores e muito mais.
Eu vejo um avanço e acho muito necessário que tenham, cada vez mais, pessoas negras ocupando esses lugares, para que a gente possa se sentir representado, para que a gente tenha debates a partir dessas figuras e imagens e para que a gente entenda que esses lugares são nossos também.
Como você encara a situação atual da sua carreira? Quais são seus próximos projetos e sonhos?
Eu me sinto muito realizada, mas eu tenho muitos sonhos. Eu sou sagitariana, eu estou sempre em movimento e sempre pensando no próximo passo e onde quero chegar.
Estou em um momento muito especial da minha carreira, eu venho crescendo e, na minha vida, eu prefiro que os movimentos sejam assim. Eu, Dandara, gosto de dar um passo do tamanho da minha perna. Aí eu vou vendo se posso avançar e o que posso fazer.
Eu tive oportunidade de fazer séries no streaming, estreei um outro trabalho recentemente, eu trabalhei na Globo, fiz uma série na Globoplay, e tenho certeza que muitas coisas maravilhosas estão por vir para completar essa lista. Eu me sinto muito grata, quando eu olho eu penso “nossa, que bom que eu fiz essa escolha, porque é algo que me traz realização”.
Eu tenho alguns desejos em relação à carreira. Um deles é fazer teatro. Estou bastante em busca de um texto que me conecte, que eu fale “é sobre isso que eu quero fazer agora”. Eu tenho essa vontade há um tempo, acho que desde a pandemia. Também quero muito voltar a fazer TV.
A televisão tem uma coisa de você estar fazendo e estar acontecendo, e as pessoas te abordam na rua falando sobre o seu personagem. E eu estou sentindo bastante falta dessa troca, então, quero muito que meu próximo trabalho seja na TV. Tem um carinho, um acolhimento e uma repercussão que acabam me deixando muito orgulhosa dessa jornada que eu venho trilhando.
Em algum momento, você já pensou em desistir da sua carreira na arte?
Não. Tem momentos que são sim difíceis na nossa carreira. Entre um projeto e outro, você vive muita instabilidade, incerteza, insegurança, medo, porém eu não penso em desistir, porque eu já desisti de uma carreira, então, agora, “querida, só vai” (risos). Não tem mais para trás, eu não me vejo advogando mais. A mudança que eu tive que fazer na minha vida eu já fiz.
Agora, dentro da arte, eu posso até explorar outras coisas, por exemplo, direção, dança, música. Eu posso ampliar meu leque dentro dessa escolha que eu fiz.
Todas as vezes que eu estou em um momento mais delicado da minha carreira, eu penso em todas as escolhas que eu já fiz que me trouxeram até aqui, eu tenho sempre esperança de que coisas maravilhosas vão chegar, e elas sempre chegam e mostram que até mesmo as dificuldades valem a pena.
Quais são suas maiores motivações?
A minha maior motivação é o carinho do público. Mas, para além disso, eu falo que sempre que um personagem chega é porque ele tem alguma coisa para fazer você descobrir sobre você. Eu brinco que atuar não é terapia, mas é terapêutico.
Então, eu acho que a gente acaba se conhecendo muito por meio dos nossos personagens, e isso também é uma ferramenta importante para mim, porque eu sei que cada personagem vai me mostrar algo ou curar algo em mim.
À medida que eu me conecto com o personagem e mergulho na história, eu sinto que, quanto mais conectada eu estiver com essa verdade, mais essa verdade vai chegar para o público.
Quando alguém chega para mim e diz “nossa, aquela cena me tocou muito”, você pode ter certeza que, antes de tudo, ela também me atravessou muito também. Eu me alimento, não só do reconhecimento, mas de saber que o meu trabalho e a minha mensagem chegou até o coração das pessoas.
Bem-estar e amor próprio
O que é o bem-estar para você?
O corpo é nossa casa, é o nosso tempo, e ele precisa estar bem, saudável e com energia para que consigamos viver o que queremos. Eu tenho uma rotina de exercícios, porque, embora muita gente diga que não parece, eu sou alguém bem agitada e ansiosa, então me movimentar ajuda a canalizar essa energia que me sobra. Eu estou sempre querendo fazer alguma coisa, não consigo ficar parada.
Busco me alimentar de forma saudável, praticar atividade física, faço dança, que, para mim, é algo libertador e expressivo. Também faço terapia, acho importante a gente cuidar da nossa saúde mental, porque, se a nossa cabeça não está no eixo, a gente não vai olhar para o mundo com o máximo de otimismo possível.
Além disso, a natureza, para mim, é uma grande fonte de bem-estar. Eu moro no Rio de Janeiro, sempre morei aqui, com exceção de quando fui para São Paulo gravar a série. Eu tenho uma relação muito próxima com o mar, e só de ver ele eu já sinto muita paz e serenidade.
Mas, para além de tudo isso, eu busco me sentir bem comigo mesma. Eu procuro me olhar no espelho e enxergar mais do que apenas a questão física. Eu me sinto orgulhosa de quem eu sou, das escolhas que eu fiz, de falar “nossa, que maneiro a mulher que estou me tornando”. Sou muito fiel à minha essência aos meus princípios.
Bem-estar é uma palavra pequena, mas que tem um significado muito amplo. E eu acho, modéstia a parte, que estou na minha melhor fase, pois eu estou realmente muito feliz comigo, com a minha trajetória e com as minhas escolhas.
Estou comprometida a cuidar de mim de forma integral, da saúde física, emocional e espiritual. Tenho um ciclo de amizades que me nutrem. Eu amo o que eu faço. Estou em um momento bem especial no qual o bem-estar e o amor próprio estão bem presentes.
Como você vê a pressão relacionada a se encaixar em um padrão de beleza?
A gente tem que, cada vez mais, falar sobre essa quebra de estereótipos, para que as pessoas possam se libertar e serem o que elas quiserem ser, usarem o cabelo da forma que quiser e ficarem confortáveis com seus próprios corpos.
Durante muitos anos, eu alisei o cabelo, e aí o meu encontro com a arte fez eu me olhar. A minha transição capilar também quase se deu junto com a minha transição de carreira. Foi um período que eu comecei a me questionar “quem eu sou?”, “quem eu quero ser?”, “por que eu estou fazendo isso?”. Eu fui entendendo que tinham coisas que não cabiam mais.
Quando comecei a atuar, já estava com meu cabelo natural, já tinha feito algumas transformações internas, e eu senti que minha imagem foi bem aceita, as pessoas me acolheram e meu processo de autoaceitação também pode servir como inspiração.
Hoje, eu enxergo que o meu melhor corpo é aquele que me permite vivenciar todas as coisas que eu quero. O meu melhor corpo é aquele que eu tenho disposição para pedalar, para dançar, para fazer minhas atividades, para aguentar uma rotina de gravação intensa…. O que eu quero é que meu corpo seja esse instrumento que me possibilite viver as experiências que preciso e tanto desejo.
E como foi o seu processo de transição capilar?
Eu sou uma mulher negra e, quando eu estava no Direito, era um lugar muito embranquecido. Então, eu acho que eu já vinha de uma trajetória pessoal e profissional de tentar me encaixar no padrão de beleza para pertencer a algo, e acredito que a maioria das pessoas negras já passaram por isso, de tentar se mudar para agradar e ser aceita.
Quando fiz a transição capilar, para mim, foi um movimento de coragem e libertação. Foi quando eu disse “eu quero ser quem eu sou, e eu quero me amar”.
Eu lembro que, quando eu cortei o cabelo para tirar toda a química, em 2012, o corte ficou bem curtinho e eu chorei muito, afinal, nós, mulheres, sempre ouvimos que o referencial de feminino e de sensualidade é aquele cabelo longo e liso. É quase como você deixar tudo isso de lado para descobrir uma nova versão de você.
Foi libertador para mim, porque, de fato, eu já não aguentava mais. Para pessoas negras, é um processo muito doloroso.
Eu vim de uma geração que fez de tudo para alisar o cabelo, por exemplo, pente, chapinha, henê. Quando eu consegui dizer ‘chega, eu não quero mais, agora eu vou assumir meu cabelo e ser quem eu sou’, foi um processo de muito empoderamento e libertação, mas para além do sentido superficial da palavra, é como se eu tivesse me apropriando de mim mesma.
Hoje, eu acho que minha aparência está muito à disposição do meu trabalho, ou seja, se eu quiser que fazer uma escova, uma chapinha, pintar ou cortar para contar uma história e viver uma personagem, não vejo problema nenhum (claro, sem alisar definitivamente). Eu curto essa versatilidade da minha profissão. E eu não faço mais essas mudanças com o objetivo de tentar pertencer, agora, é algo leve e até divertido.
Quais são seus cuidados com pele e cabelo?
Eu faço exercício e alimentação, que são dois fatores que interferem muito na pele. No cabelo, frequentemente, faço hidratações e corto. E, na pele, eu consegui adquirir o hábito de utilizar filtro solar diariamente, e isso faz toda a diferença, porque eu pego muito sol e amo mar.
Eu acordo, lavo o rosto, escovo os dentes e já aplico o protetor. Também busco beber muita água, dormir bem, ter todos esses hábitos mais saudáveis para o organismo como um todo.
Nunca tive muito problema de pele, de espinhas e tal, mas, quando estou gravando, uso muita maquiagem, e aí a pele dá uma sofrida (risos). Na vida, eu não uso muita maquiagem, eu utilizo o protetor já com cor e adoro blush.
Não penso em parar o processo de envelhecer, porque isso faz parte. A questão é sempre buscar ser a melhor versão. Eu quero envelhecer bem, mas os sinais aparecem, uma ruguinha ali, um cabelo branco ali, e eu não vejo problemas nisso.
Ter consultas regulares com um dermatologista é sempre bom. Nesses últimos meses, eu reparei algumas manchinhas de sol, e aí eu comecei a tratar.
Eu gosto de me cuidar, porém não sou a pessoa que coleciona produtos de skincare, por exemplo, é algo bem minimalista mesmo.
Saúde mental, amadurecimento e movimento
Você sempre se sentiu bem consigo mesma?
Eu me sinto muito bem agora, mas nem sempre foi assim. Inclusive, essa história que contei da transição capilar reflete um processo de não aceitação, que também é fruto do racismo. Pessoas negras foram ensinadas a não se gostar. O que a gente aprendeu é que a gente precisava ser diferente e que a gente precisava buscar um padrão que, claramente, nunca iríamos alcançar.
Eu tinha muitas questões com a minha autoestima, eu não conseguia me amar direito do jeito que eu era. A minha autoestima foi se reconstruindo à medida em que eu fui entendendo como o racismo me afetava, em que fui ressignificando o que é beleza para mim, em que eu fui me olhando no espelho e me amando como pessoa.
Até as partes que não foram do jeito que eu queria também ajudam a contar uma história. Eu, enquanto menina e adolescente negra, vivi muito esse processo de sentir ódio de mim mesma, porque tinha uma estrutura que me ensinava que eu não era bonita, que eu precisava mudar, precisava alisar o cabelo.
Eu fui deixando isso para trás por meio de um processo bem difícil. Fui entendendo que eu preciso estar bem comigo e feliz com quem eu sou.
Na verdade, acho que minha autoestima está se reconstruindo e sempre vai estar. Eu não acho que “agora está tudo resolvido”, não. A natureza da vida é que a gente vá mudando e que outras questões vão aparecendo.
Atualmente, eu estou bem comigo, mas esse não é um processo linear. Tem dias que eu acordo e penso “meu deus do céu”, tem fases em que eu não estou bem e não estou me achando bonita, porém eu me pego no colo e falo “está tudo bem, fica tranquila, vai dar certo”.
Eu acredito que a autoestima das mulheres está em eterna construção e reconstrução.
Diante da exposição das redes sociais, como você protege sua saúde mental?
Eu sou uma pessoa bem reservada nas redes, mas também porque eu sou de uma geração que pegou uma fase sem internet. Então, estou me adaptando ao mundo digital, na verdade. Hoje, já vimos que as redes podem ajudar sim de maneiras muito positivas, porém podem ser algo muito destrutivo.
Eu uso muito as redes para me expor artisticamente, foi um caminho que eu escolhi, e eu tento utilizá-las de uma forma muito consciente. Eu tive poucos haters e poucos comentários negativos, agradeço muito por isso.
Para a gente se colocar nesse lugar de exposição na internet, a gente tem que reconhecer que os comentários vão vir, e nem sempre eles vão ser legais. Por isso, é fundamental você cuidar muito da sua saúde mental para que as coisas não te afetem a ponto de fazer você duvidar de si mesmo. A gente precisa estar muito consciente do que a gente é e do que a gente acredita.
No mundo da internet, eu acho muito complicado o rápido julgamento das pessoas. É um lugar muito delicado. Então, eu considero importante saber separar o que é meu e o que é do outro. Ninguém tem a obrigação de gostar do meu trabalho e nem de concordar comigo, mas a forma como você vai dizer isso para o próximo tem que ser cuidadosa, tanto na vida quanto nas redes.
Quais as suas filosofias de vida? O que você acredita e defende?
Modéstia à parte, eu sou uma pessoa otimista, como uma boa sagitariana. Eu acredito muito na espiritualidade como uma energia superior. Eu acho que a gente tem o nosso caminho e o que é nosso é nosso, ninguém tira. Muitas vezes, a gente pode demorar um pouquinho mais, mas o que é nosso é nosso.
Sempre que acontece alguma coisa ruim, eu penso “tudo bem, a vida é impermanente, aconteceu alguma coisa ruim, daqui a pouco acontece algo bom”. Eu sou uma pessoa otimista e que tem muita fé na vida de que as coisas vão melhorar. Em algumas situações, eu consigo até rir dos problemas, mas é claro que isso não significa que eu não reconheça a importância que eles têm.
Cada pessoa tem seu mecanismo e seu caminho para se conectar com a espiritualidade. Para mim, a natureza é uma fonte de energia. Ela consegue me abastecer, me limpar, me curar, me desconectar do mundo.
Eu acho que eu tenho ressignificado muitas crenças, por exemplo, um assunto que, agora, está muito evidente para mim é o medo. Eu tenho pensado bastante nessa coisa da coragem que precisamos ter para enfrentar desafios e abraçar as oportunidades que aparecem.
Acredito que a coragem não é a ausência do medo, e sim se jogar com medo mesmo. Quando eu sinto que o medo quer me paralisar, eu sempre me lembro da sensação que eu tive quando pulei de paraquedas.
O autoconhecimento é algo muito presente na minha vida. Eu sempre procuro entender o que eu preciso trabalhar em mim. Eu, enquanto artista, eu gostaria muito de ser essa pessoa fonte de inspiração para além do lugar da profissão, mas também que eu possa sempre levar coisas boas para as pessoas, seja um trecho de um livro que eu li, seja através do meu trabalho.
Além da natureza, quais suas outras “válvulas de escape” quando as coisas ficam difíceis?
A dança é uma válvula de escape criativa, ela faz eu me conectar muito com a minha criança interior. Eu me conecto com aquela menina que se divertia dançando. E eu acho que a dança também tem muito empoderamento e serve como uma libertação para as mulheres.
A gente sofre com uma pressão de uma sociedade machista que acaba nos podando, e a dança me coloca em uma posição de poder ser livre, de dançar e não ter vergonha do meu corpo. A música e a leitura também me ajudam em momentos difíceis.
Até quando eu não estou trabalhando, minhas válvulas de escape envolvem a arte. É um livro, é um podcast, é um filme, é um instrumento musical, é uma peça de teatro.
Como surgiu a sua relação com a dança?
Eu tenho um combinado comigo, quando eu faço uma atividade física, eu sei que estou fazendo aquilo que só eu posso fazer por mim. Eu gosto de, todos os dias, me movimentar, porque isso me coloca em uma posição mais ativa para a vida, porém eu respeito muito meu corpo.
Tem dias que eu preciso fazer boxe, tem dias que eu quero fazer pilates, tem dias que eu quero correr. O meu combinado é sempre estar em movimento, mas me respeitar e buscar atividades que sejam prazerosas, para que a atividade física não vire uma tortura e nem algo somente com finalidades estéticas.
Eu gosto de variar, gosto de novidades, por exemplo, recentemente, fiz aula de beach tennis e adorei. Cada dia estou buscando fazer uma coisa diferente. Adoro pedalar, me sinto livre durante essa atividade.
A dança faz parte da minha vida desde que eu era muito novinha. Quando eu era pequena, eu amava as aulas de dança, e eu fiz um pouco de cada coisa, um pouco de jazz, um pouco de ballet, um pouco de dança de salão.
E aí eu descobri o stiletto, que é o estilo que pratico hoje. A minha relação com o stiletto, ao mesmo tempo que eu amo, aprender uma coreografia é um processo.
Na primeira vez que eu vejo o professor fazendo, eu tenho vontade de pegar as minhas coisas e dizer “desisto, vou embora” (risos). Mas aí, quando eu consigo realizar a coreografia, nossa, é uma superação dessa mentalidade de achar que não vai dar conta.
Eu brinco que, a cada coreografia, é um espacinho que eu conquisto em mim, mostrando que valeu a pena insistir e continuar.
Eu acho que a gente vive em uma sociedade machista que acaba apagando muito as mulheres. E aí, a dança, principalmente o stiletto, serve para colocar um monte de coisa para fora, sem medo de ser feminina e sensual. Não é para ter medo de se amar e de gostar do seu corpo.
A dança me faz passar por muitos sentimentos e sensações de superação dos meus próprios limites, de entender que meu corpo pode mais. Quando eu olho para um corpo que dança, eu vejo liberdade. Quando eu vou dançar uma coreografia, geralmente, até gosto de criar uma personagem para aquela dança, artisticamente falando.
Ela me coloca nesse lugar de dizer para a sociedade que eu sou uma mulher que estou bem com o meu corpo e que não tem vergonha de se expressar. O empoderamento da dança também é algo muito presente para mim.
Como você lida com o amadurecimento?
Meu processo de amadurecimento vem muito ligado ao autoconhecimento. Eu estou gostando muito da pessoa que estou me tornando. Hoje, estou muito mais consciente sobre as coisas, sou muito mais seletiva com as pessoas que me relaciono, com as minhas amizades, com os lugares que eu frequento.
Tudo isso vem de uma consciência do que eu sou e do que eu quero para mim. Nesse momento, minha energia está muito voltada para as coisas que eu quero construir, como a minha carreira.
E eu tenho feito, cada vez mais, as pazes comigo. Isso faz parte do meu processo de amadurecimento. Também tenho buscado respeitar o tempo das coisas, tento me perdoar das coisas que eu errei, tento me curar das feridas, tento me curar de acontecimentos do passado.
O autoconhecimento, para mim, é muito sobre me perdoar, me amar e me libertar, para que eu possa viver um presente e um futuro diferentes, fazendo escolhas melhores.
Eu, particularmente, estou com 35, faço 36 anos este ano, e eu realmente acho que estou no meu melhor momento, e digo isso de um lugar interno. Parece que as coisas estão se encaixando e eu estou me sentindo mais inteira. Estou bem comigo mesma, com a minha trajetória profissional, com os meus princípios e valores, com as minhas amizades.
Eu me olho no espelho e falo “nossa, agora eu vejo você”, porque, durante muitos anos, eu via o que eu tentava ser para agradar os outros. E, agora, estou comprometida em agradar a mim mesma e em estabelecer os meus limites.
O amadurecimento e o autoconhecimento estão me trazendo para um estado de presença, de ser feliz com quem eu sou hoje. E isso não significa que minha vida é perfeita. Acho que isso é a forma que escolho lidar com os problemas. A gente se cobra tanto, acho que nós temos que começarmos a nos parabenizar também.
Eu tenho muitos sonhos. Eu estou realizada, mas eu ainda quero um monte de coisas, e até o último dia da minha vida eu vou continuar querendo. Eu já sou muito grata por tudo que eu conquistei e pela pessoa que eu sou, e estou aprendendo a reconhecer isso, a reconhecer meu valor e reconhecer que eu também mereço.
As cobranças acontecem na nossa vida, mas a forma como a gente lida com elas é o que faz a diferença. Eu posso estar fazendo o meu melhor trabalho, dando tudo o que eu tenho para dar, e, mesmo assim, vai ter gente que não vai gostar. É inevitável.
Eu também estou aprendendo a me permitir errar. Eu acho que a gente fala muito que as mulheres são fortes, mas isso também é exaustivo e é uma carga. Precisamos nos permitir sermos vulneráveis e imperfeitos. Todo mundo está nesse processo.