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Treino 3D - Corpo, Mente e Espírito, com Samorai

Bacharel em esporte, Samorai (@samorai3d) é criador do método de treinamento 3dimensional para reabilitação, prevenção e tratamento de lesões e performance. Aqui, auxilia praticantes e treinadores na busca por harmonia.
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Tudo fica ruim antes de ficar bom

Por Samorai
Atualizado em 21 out 2024, 22h28 - Publicado em 20 jul 2022, 12h23
Homem trabalhando em construção
Uma obra em casa é uma boa analogia para o que vou explicar hoje (ilkercelik/Thinkstock/Getty Images)
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Você tem um vazamento, uma infiltração, quer melhorar a disposição dos cômodos ou até muitas outras razões como uma casa com vários problemas e você pensa: “não aguento mais viver assim e vou fazer uma reforma!” Você se prepara, junta uma grana e tem até uma alegria quando fecha o acordo com alguém para iniciar a reforma. Mas essa alegria passa rápido. Após a primeira marretada você já sente o desconforto. Após a primeira hora você já se arrependeu. Até que aquele vazamento não era tão ruim. Por que fui fazer isso? E ainda tem muitas horas pela frente. Talvez dias, semanas, meses. Muito além do previsto por quem você contratou, independentemente de quem tenha sido.

Prazo dado em obras não quer dizer absolutamente nada. É igual aos 40 minutos que demora para chegar sua pizza. É só uma resposta padrão, apoiada em nenhuma realidade ou dados. Porém depois que começa, não dá mais para parar. O caos está instalado. Temos que ir em frente. E um dia, muito longe do previsto, a obra acaba. E tudo fica muito melhor. Porque, invariavelmente, tudo fica ruim antes de ficar bom. Mesmo que a mudança seja óbvia. Mudar requer esforço, resiliência, adaptação e crescimento. E tudo isso tem um custo alto. Um custo que antes, por pior que fosse o cenário, você não tinha que arcar. E inclusive estava adaptado às deficiências e dificuldades que convivia, por piores que fossem.

E isso serve para tudo. Podemos usar relacionamentos como exemplo. Você está em um relacionamento que já não te empolga, não te gera valor, crescimento e sequer memórias afetivas, mas você já se acostumou com o crush. Sua vida está indo ladeira abaixo, mas ao menos esse caminho você conhece. Até que um dia você pensa que não deve mais aceitar isso. Que a vida é uma só e você merece ser feliz. A partir daí, de alguma forma sua mudança já se iniciou. E um dia você decide romper esse relacionamento. Assim que a conversa definitiva acaba, você tem uma sensação de alívio, que passa muito rápido, dando lugar à incerteza de que fez a coisa certa. E nas semanas seguintes você se sente mal, pensa em voltar atrás, principalmente se a solidão bater na sua porta ou se suas experiências nessa área de “affair” não forem lá grandes coisas.

Até porque todos temos defeitos e o do seu ex você já estava acostumada. No entanto, um dia você cresce, deixa as idealizações de lado e vai viver a vida real, se envolve com alguém bacana que te ajuda a crescer, que é verdadeiramente um companheiro e um dia, você olha para trás e se pergunta porque não terminou aquele relacionamento antes. Aliás, por que você começou aquele relacionamento? Por que você aceitou tudo aquilo? Porque faz parte do seu crescimento e de sua trajetória. Você só entende o que vive hoje porque tem o outro relacionamento como base de referência. Mas esse é um assunto para outro post. O ponto aqui hoje é que, de certa na forma na vida, tudo fica ruim antes de ficar bom.

Eu poderia te dar mais exemplos, como uma mudança de emprego, ter filhos, ter um cachorro, mudar de país. Tudo isso será bom lá na frente, mas por muito tempo você terá esforço sem recompensa. No esporte isso é muito comum. Existe uma história famosa sobre Tiger Woods, talvez o maior golfista de todos os tempos. Assim que ele surgiu no cenário foi um fenômeno. Faturou títulos importantes muito jovem. Ganhou um contrato vitalício da Nike. Iniciava ali uma grande carreira.

Certa vez, assistindo a um jogo com seu treinador, detectou que seu swing, aquele movimento que se faz no golfe, não era perfeito. Tinha algumas deficiências e isso o incomodou. Perguntou então ao seu treinador se era possível corrigir aquilo. O treinador lhe disse que até era, mas que não sabia se valeria a pena, porque por um tempo ele estaria no meio do processo e os resultados que ele tinha até o momento eram bons, não sabia se valeria a pena arriscar e que era possível que ele nunca mais ganhasse nada. Porém os gênios são gênios também porque são corajosos e Woods disse que queria corrigir aquilo. Desde esse período ficou uns três anos sem nenhum título expressivo para depois figurar como o atleta que ficou mais tempo como número 1 do mundo da história.

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Mas você pode estar me perguntando agora por que eu estou falando sobre isso aqui. Porque entender isso o ajuda na sua jornada de treinos e de reabilitação. Muitas vezes você começa um trabalho de reabilitação por causa de uma dor e na semana seguinte você passa a ter dores em lugares onde não tinha, sem que a dor que você tinha desaparecesse. Isso te leva ao desespero, mas o fato é que deveria ser encarado como uma boa notícia. Ao estimular partes do seu corpo que seriam possíveis causas de dores, normalmente, estas vão “reclamar”. E isso é bom. Vem comigo, imagine que você tem dor na coluna por uma falta de mobilidade do seu calcanhar – acredite, essa é uma das principais causas de dores lombar. Ao iniciar os treinos para melhorar essa mobilidade, é muito provável que seu calcanhar, por não saber lidar com esse novo movimento e com as forças nele envolvidas, passe a “reclamar” através de dor. E por um instante você tem agora dor lombar e dor no calcanhar, logo um cenário pior que o inicial.

No entanto, assim que o calcanhar evolui, ele para de doer, e por não haver mais a causa da dor lombar, esta também para. E de tabela você ainda ganha performances em movimentos que você sequer tentava. Mas se você tivesse desistido na primeira dor no calcanhar, seria como ter dado algumas marretadas na sua reforma da casa e parado. O cenário agora seria pior do que o que já estava ruim, porque você ficou no meio do caminho. E isso acontece muito. Para piorar, você agora teria uma perda emocional, acreditando que não tem jeito, que suas costas vão doer para sempre e que você nunca mais vai poder voltar a correr. Isso também o dificultará nas próximas tentativas de reabilitação.

Isso ocorre em seu treinamento para dar aquela melhorada no corpo, esteticamente falando. Na primeira semana tudo parece fazer efeito e você fica feliz. Mas ao final de um mês, dá a impressão que agora você parou. Que treina, treina, treina e não evolui mais. E você desiste. Em todos os casos citados, existe o fato de que não conseguimos lidar bem com o desconforto, porém existe um fato que vai além. Talvez até nossa imaturidade nas questões do desenvolvimento da vida.

Buscamos nos satisfazer rapidamente e investimos pouco no longo prazo. Por quê? Porque somos regidos por uma lógica de recompensas. Você já reparou que tudo que é ruim a recompensa é rápida? Veja só. Você quer um doce e come aquele chocolate que ama. A recompensa disso vem na hora. Você se delicia e sente esse prazer. Já uma alimentação saudável, não. O benefício dela vem no longo prazo. Após comer um superprato saudável, não tem prazer. Você não percebe a recompensa. Ela virá, mas lá na frente. E se tudo que causa um resultado ruim a recompensa é rápida, tudo que é bom exige disciplina. Na academia é assim. Você vai lá, treina, volta para casa e você está igual. Mas se tomar uma cerveja, a recompensa é imediata.

Isso serve para tudo na vida. Você faz um curso baratinho de poucas horas, que te entrega tudo pronto só para você copiar e colar e isso te dá uma sensação de evolução imediata. No entanto, rapidinho a vida te ensina que ela não vem com regras, que tudo muda constantemente, que as pessoas são singulares. E aquela alegria rapidamente se torna uma frustração. Agora se você investe em um curso bom, profundo, que exige que você evolua, estude, se aperfeiçoe, que você erre, que te faça começar de novo muitas vezes, que necessita de uma dedicação, pode ser muito mais difícil no caminho, mas te prepara para vida real.

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Isso porque o progresso pressupõe disciplina, determinação, resiliência, dedicação e amor. Elementos essenciais ao crescimento. Até porque, como eu sempre digo, você não veio aqui para ter barriga tanquinho, também não veio para ter obesidade, não veio para jogar golfe, não veio para ser pai. Não veio definitivamente para nada. Entretanto tudo pode ser um meio de sair daqui melhor do que chegou. E para isso o caminho é a única coisa que vale a pena. Se o valor estiver na chegada, por exemplo, um título de um campeonato, quando você não chega, nada teve valor, mas se você chegar na sequência vem o vazio. Porque você não está aqui para isso. E só assim você vai entender que tudo é caminho e que o valor está no caminho. O resto é só razão para caminhar. Como a utopia.

Existe uma parábola na qual um aprendiz pergunta ao seu mestre o que é a utopia. E ele diz que utopia é algo assim, você dá um passo na direção dela e ela se afasta um passo de você. Então você dá dois passos e ela se afasta mais dois. Resiliente como só você é, você insiste em três passos, mas ela também se mostra forte e dá mais três passos para trás. E não importa quantos passos você dê na direção dela, ela sempre anda o mesmo tanto para trás. Em um raciocínio imaturo e focado no resultado final, o aprendiz pergunta ao mestre: “sendo assim, para que serve essa tal de utopia?”. E a resposta vem: “para você caminhar. Porque é o caminhar que te faz crescer e cumprir a real missão de sair daqui melhor do que entrou”. Fica a dica.

Forte abraço,
Samorai

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