Não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal. Está na Bíblia em Mateus. Já Nietzsche falava sobre a consequência da criação de mundos transcendentes, em outras palavras, viver no futuro ou no passado. Para ele, isso era a razão das nossas doenças.
O Budismo sempre reforça a importância de se estar no presente, o único momento onde tudo acontece. Meu mentor, Gary Gray, usa uma frase simples que resume todo esse processo de pensamento: movimento gera movimento. Um dos meus mestres no Jiu Jitsu, meu amigo Fábio Gurgel, leva a vida sob duas premissas: “Existem coisas que não estão ao meu alcance e não posso interferir e existem coisas que estão. Preocupo-me apenas com as que posso fazer algo e não gasto meu tempo em assuntos que não posso fazer nada”.
E eu, além de escutar essas e outras pessoas que sabem muito mais do que sei, levo minha vida sob algumas diretrizes: a partir de um problema, você sempre tem duas opções: lamentar ou buscar a solução. Eu sempre penso na solução. E na busca dela eu tenho outra referência: fazer o melhor que posso com os recursos que tenho. Esgotar todas as possibilidades e se, mesmo assim não tiver solução, relaxar e deixar meus anjos trabalharem. Aceitar e agradecer.
Inclusive, sobre a busca da solução, tem outra coisa que aprendi com o Gurgel, que a arte suave ensinou. Quando se está em uma situação ruim, você não sai dela de qualquer jeito. O primeiro passo é colocar a cabeça no lugar e então, com sabedoria, buscar uma estratégia para sair dali. Como dizemos no Jiu Jitsu, na “brabeza” não vai sair. Aliás, só vai piorar. Em suma, temos que aprender a ficar confortável no desconforto. E começar a saída pela parte que é capaz de se mover. Logo, se colocar em movimento.
Mas, se observarmos, todas essas formas de entender a vida têm um elemento em comum: a ação. Vamos rever sob essa ótica. Mateus não diz para não se preocupar com os problemas de amanhã e ficar agora sem fazer nada. Ele diz para se preocupar e agir nos problemas de hoje. Nietzsche diz o mesmo, que a vida ou a ação só acontece no agora, no qual o Budismo reforça que você deva estar. Se usarmos sinônimos para interpretar a frase do Gray, poderíamos substituí-la por “ação gera ação”. Já o Fábio não diz para você não fazer nada o tempo todo, e sim, para fazer algo que esteja ao seu alcance. Eu mesmo não disse para deixar os anjos tomarem conta do seu trabalho enquanto toma uma cerveja esperando o resultado. Disse para esgotar todas as possibilidades que, em um mundo de possibilidades infinitas, te colocarão sempre em ação, nem que seja em aceitação – que, não por acaso, termina em ação.
Mas, onde quero chegar? Hoje, dou mentoria a três turmas diferentes nos meus cursos, além da turma de ex-alunos e meus próprios alunos da minha academia. Relaciono-me profundamente, de corpo, mente e espírito com muitas pessoas e sei que sou um amigo, um facilitador e até uma inspiração na jornada deles. E todo ano é assim. A energia dessas pessoas é incrível.
Porém, esse ano, quando começamos a caminhar para um segundo lockdown, a aderência ao curso foi caindo. Entrei em contato individualmente com cada aluno e percebi que muitos estavam com uma energia muito baixa, porque um novo fechamento após a melhora dos números da COVID-19 no final do ano e a sensação de uma quase normalidade foi muito pesado de aceitar. Para piorar o cenário, muita gente estava tendo contato mais próximo com a doença. Notícias de pessoas que amamos invadiam nossos celulares e corações como um chute no peito, isso quando não foi em nosso peito que a doença se manifestou.
O que fazer para ajudar? Que controle eu tenho sobre essa doença? Realmente sobre ela, nenhum, mas sobre mim e meus atos, eu tenho muito, ou ao menos o suficiente para tentar algo. Marquei para aquela noite mesmo uma “live” com todas as turmas. Turmas essas que nem se conhecem. O nome dela seria Live do ombro amigo. A adesão foi enorme e, ao contrário do que o nome sugere, não foi um muro de lamentações e um colo. Também foi de alguma maneira, mas o conceito era olhar o mundo, a doença e nossa vida com os parâmetros daquelas filosofias do primeiro parágrafo. Porque eu queria ajudar, queria fazer algo. Um caminho. E eu só conheço o caminho da ação e da aceitação.
Aqui, quero deixar bem claro que toda dor é legítima e até inevitável, e me solidarizo com todos. Mas o sofrimento, o martírio, a anulação pessoal é, de alguma forma, uma escolha. Essa é a maneira como penso e nem tenho a pretensão de estar certo, mas eu só posso ajudar a partir de quem eu sou. E foi esse o caminho que eu escolhi. Baseado em uma outra crença minha de que tudo no universo está interconectado e uma parte afeta o todo e vice-versa, pensei assim, se a tristeza, as dores e o desânimo afetam minhas ações, as ações também afetam a tristeza e o desânimo. Logo, se eu fizer alguma coisa, eu já estou mudando esse cenário. Assim, propus na nossa “live” que déssemos o próximo passo. Que fizéssemos alguma coisa bem simples, que estivéssemos presentes e nos orgulhássemos dela. Necessariamente, teria que ser algo muito simples, como fazer a sua comida, arrumar a cama, mudar o caminho para o trabalho e apreciar a singularidade desses momentos. A ideia aqui era viver integralmente esse momento simples. Necessariamente simples.
Por que não poderia ser nada muito elaborado? Porque quando você está com uma energia baixa é muito mais difícil dar um passo grande, mas para dar um pequeno, o esforço é bem menor. E também tem o fato de que alguma coisa grande tem sempre uma possibilidade de não dar certo e gerar frustração, o que, ao invés de aumentar sua energia, faria com que essa despencasse.
O objetivo aqui não é escrever um livro, fazer o melhor prato da sua vida, uma viagem inesquecível, mas se colocar em movimento. Porque uma vez em movimento, a sua energia muda e é mais fácil se manter em movimento. E como movimento gera movimento, todos esses pequenos passos comporão a sua trajetória e deixarão esse momento cada vez mais para trás. O tempo passa a ser seu aliado quando se está em movimento. Uma caminhada pode ter mil passos, mas só poderá ser realizada se você der o passo um, depois o dois, depois o três… A dificuldade de cada um é a mesma. Porém, se você quiser passar do três para o 857 fica muito difícil e desanima, nos derruba. Sequer começamos.
A proposta, então, seria lavar a melhor louça desse último ano. Caprichar em cada detalhe e, ao final, ter orgulho do que fez. Se isso te inspirar, arrume o quarto também. Deixe o lençol bem esticadinho. Troque as fronhas. Olhe e esteja presente nesse momento. E toda vez que se pegar longe, gentilmente retorne e volte a ter orgulho da sua força. Você é muito mais forte do que imagina, só precisa entender o processo que a vida te convida. Entender que nenhuma folha cai de uma árvore em vão. E como não sabemos o quadro da nossa vida, nossa tarefa é ter fé, gratidão e seguir em frente, como se estivéssemos em uma estrada. Às vezes, cai uma neblina muito pesada ou uma chuva que compromete muito a segurança, porém parar na estrada torna tudo muito mais perigoso. Em alguns momentos, precisamos desacelerar, mas continuar andando e uma hora essa chuva ou neblina fica para trás. Às vezes, pode parecer que está tudo muito escuro, mas é apenas um túnel. Um túnel bem escuro, mas se continuar a andar, ele acaba. Se você parar, a escuridão se torna densa e te esmaga.
Pois bem, passei a palavra a cada um e pedi para se comprometerem a fazer alguma coisa bem simples, porém que fosse bem feita. Que você terminasse e tivesse a certeza de que não daria para você ter feito isso melhor. Tirasse uma foto e postasse com a hashtag #EuDeiOproximoPasso e marcasse meu perfil @samorai3d para que lá estivessem todas as ações e que percebêssemos que um pequeno passo de um pode inspirar muitos. E muita gente fez. No dia seguinte, uma foi passear com o cachorro, mas dessa vez, não por obrigação, mas por amor. A outra fez um caminho diferente e apreciou a beleza das flores, o outro saiu para correr, um tomou banho gelado, a mamãe sentou com suas filhas e jogou um jogo de tabuleiro. E assim, como em um passe de mágica, a vida voltou. Tudo que foi feito estava sempre ao alcance deles, transformou o dia deles, mas a gente esquece. A ação mudou a emoção. E a vida gerou mais vida. Uma outra forma de falar o que o Gary sempre fala. Até porque, movimento é vida. A ausência de movimento é a morte. Então, se quer estimular a vida, faça qualquer coisa, mesmo que seja algo muito simples, mas faça com todo o seu ser. Com toda sua presença.
Você quer saber o que eu fiz? Além de iniciar todo esse movimento, fiz mais uma coisa que fez meu dia muito feliz. Moro em um prédio, em São Paulo, e com a pandemia os pedidos de entrega aumentaram muito. E nesse dia, enquanto fazia a live, fiz um pedido bem gostoso. Quando fui buscá-lo na portaria, percebi que aquele lugar tinha um cheiro maravilhoso de comida. Mas, a única pessoa que sentia esse cheiro não iria experimentar nada daquilo. Talvez, comeria uma comida requentada. Então, resolvi fazer algo que sempre esteve ao meu alcance. Pedi uma comida deliciosa e, quando o porteiro me interfonou, eu disse que essa era para ele. Todas as vezes que o encontro, ele diz que foi a melhor comida da vida dele, já que naquele dia, segundo ele, ele tinha “esquecido” de levar a comida.
Agora eu te pergunto: O que você vai fazer para dar o seu próximo passo? O que você vai fazer, muito simples e muito acessível, para começar a caminhar em direção a um mundo melhor? Se você leu esse texto até aqui, o que seu coração está pedindo? Para continuar a sofrer ou dar o primeiro passo do resgate do seu eu? Desse ser de luz que é você, quer você queira, quer não. Quer você tenha consciência ou tenha esquecido. Faça também por aqueles que já se foram, eles já não podem mais e onde quer que eles estejam, se eles pudessem falar (ou se nós pudéssemos ouvir o que eles estão falando), diriam para você continuar, acreditar e dar o próximo passo. Como diria Gandhi, “seja a mudança que deseja ver no mundo”. E mesmo que você se ache pequeno e irrelevante, escute Madre Tereza: “eu sou um grão de areia no oceano, mas o oceano não seria o mesmo sem mim”.
*Esta coluna é uma homenagem ao meu amigo Maurino Lagrutta que deu seu último passo aqui ontem, para todas as pessoas que se foram e para as que ficaram e não sabem o que fazer. Dê o próximo passo.
Forte abraço,
Samorai