Treino 3D - Corpo, Mente e Espírito, com Samorai

Bacharel em esporte, Samorai (@samorai3d) é criador do método de treinamento 3dimensional para reabilitação, prevenção e tratamento de lesões e performance. Aqui, auxilia praticantes e treinadores na busca por harmonia.
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Caminho de evolução

"Na minha crença, eu só tenho um propósito nesta vida. Sair melhor do que cheguei"

Por Samorai
Atualizado em 21 out 2024, 22h27 - Publicado em 5 out 2021, 19h32

Hey folks! Eu verdadeiramente acredito que tudo na vida é um caminho de evolução, ao menos em potencial. Sim, porque o caminho só se faz caminhando. E nessa figura de linguagem, nesse caso não basta caminhar. O importante também é como se caminha.

Na semana passada tive a honra de participar do podcast Jornada da Calma, da Helena Galante, e no final, como última participação, falei do filme “O poder além da vida”. Para resumir, o filme conta a história de um ginasta de nível internacional que era muito popular e um dia sofreu um acidente que comprometeu sua carreira. De repente, sua vida perdeu o sentido. Um dia ele conheceu um senhor chamado Sócrates que trabalhava de frentista em um posto de gasolina. Com o desenrolar do filme este senhor se torna seu mentor e o ajuda a ver a vida que está na frente dos olhos dele e ele não vê.

Uma cena me chamou muito a atenção e nunca mais esqueci, mesmo tendo visto esse filme em 2006. Vou contar porque não é exatamente um spoiler. É uma cena isolada no meio do filme e talvez até passasse batido, porém me marcou. Na cena, Sócrates vai com Daniel, o ginasta, a um parque. Ele está meio revoltado com seu acidente e não entende o porquê Sócrates o leva ali. Tem tantas outras coisas que ele gostaria de aprender com ele que sente que ali ele está perdendo tempo. Em um dado momento ele pergunta ao seu improvável mentor:

_ Por que estamos aqui?

E este responde:

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_ Olhe!

_ Mas não está acontecendo nada.

_ Tem certeza? Olhe direito.

_ Não vejo nada.

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Então, a câmera começa a passear pela cena e vemos um avô brincando com seu netinho, um cachorro brincando em uma fonte de água, um casal de namorados envolvidos, uma garota andando de bicicleta, uma abelha polinizando uma planta. Na verdade, não sei se foram exatamente essas cenas, mas pouco importa. O que importa é que estava acontecendo muita coisa. A resposta de Sócrates foi algo como, está acontecendo tudo. A todo instante. E isso me marcou. O que para Daniel não era nada, na verdade era tudo e todo seu sofrimento vinha do fato dele não enxergar o milagre, a beleza e a simplicidade de todas as grandiosidades. Ali estava a vida. E ali recomeçou a minha vida. A vida está em tudo, está nos detalhes, está onde muitas vezes não vemos nada.

Desde então eu fui aprimorando meu olhar para a vida e, tal qual quando limpamos uns óculos sujos, comecei a ver o que estava na minha frente e eu não via. Todos nós temos um pouco deste Daniel, mas nem sempre encontramos nosso Sócrates. Na verdade, ele também está sempre por perto, mas, de novo, não enxergamos. Não que meus óculos estejam superlimpos agora, no entanto acredito que posso enxergar melhor e uma das coisas que enxerguei, ou na verdade interpretei a partir das minhas observações, é que não estamos aqui nessa vida para nada. Como disse Sartre, estamos condenados a ser livres, e por isso não estamos condenados a mais nada. E nem precisamos de mais nada.

Não estou nessa vida para ser personal. Não estou aqui para ser pai da minha filha, marido da minha esposa, colunista da Boa Forma, atleta de Jiu Jitsu, cliente do Rinconcito, torcedor do meu Palmeiras. Esse não é o sentido da minha vida. Pode ser maravilhoso tudo isso, mas também poderia ser qualquer outra coisa. Na minha crença, e aqui não tenho nenhuma pretensão de estar certo, porque também não vim para essa vida para estar certo, nem para falar o que é certo para você.

Porém, na minha crença, eu só tenho um propósito nesta vida. Sair melhor do que cheguei. E para isso, tudo que acontecer entre a chegada e a saída são meios de atingir esse propósito. E tudo é meio. Daniel enxergava a vida como um ginasta que faria história no mundo pelos seus feitos e quando a vida mudou seu rumo ele perdeu seu lugar nele. Ele apenas enxergava a ginástica como único meio. No entanto o que acredito é que tudo é meio. Um meio para minha evolução na minha jornada espiritual.

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Quando vejo assim percebo que ser personal e, principalmente trabalhando com reabilitação, é um jeito de me conhecer por meio de cuidar dos outros. E ali eu aprendi que, embora Frejat tenha dito que todo mundo é parecido quando sente dor, a verdade se faz exatamente oposta. Todo mundo é singular quando sente dor. E também prazer, fome, vergonha, abandono, quantos sentimentos você quiser colocar aqui.

Faço da minha profissão um caminho. E entre altos e baixos creio que ela me ajudou a dar um passo na minha evolução. Mas, se a minha profissão fosse outra, digamos, gari, seria a mesma coisa. Talvez eu não aprendesse sobre a vida coisas que ser personal me ensinou, contudo eu aprenderia sobre a vida coisas que varrer calçadas e guias nos ensinam. Aprenderia sob a ótica de quem é quase invisível aos olhos de muita gente. E isso deve ensinar muito. Uma lição dura, mas uma lição. O psicólogo Fernando Braga da Costa nos mostra sobre isso em seu livro “Homens invisíveis”.

Ser pai também não é uma missão na minha vida, mas uma enorme escola, como apontei na minha coluna na semana passada. E se a ideia é sair melhor do que entrou, ser pai gera inúmeras oportunidades para isso. Quando minha filha nasceu me comprometi a mudar várias coisas em minha vida, em ordem de ser alguém que eu tivesse mais orgulho de apresentar a ela. E cada vez que ela, no auge dos seus 5 anos, mesmo que sem querer, me aponta um defeito, eu vejo como isso é difícil.

Tudo pode ser um caminho para a evolução espiritual. De uns tempos para cá uma das coisas que mais contribui para isso, para mim, é o Jiu Jitsu. No qual muitos podem ver apenas agressão ou no máximo um lugar onde gasto minhas energias, eu vejo uma escola onde posso aprender a ser uma pessoa melhor em todos os aspectos.

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Não à toa, o nome Jiu Jitsu, em japonês, significa arte suave. E foi ali que encontrei o poder da gentileza, da estratégia, da disciplina, do controle emocional e transfiro isso para tudo na minha vida. O Jiu Jitsu me ensinou que muitas vezes você estará por cima e muitas vezes por baixo, mas não importa. De todas as formas você tem que continuar a lutar. Também aprendi que quando se está em uma posição ruim, quase desistindo, só há uma forma de sair. Encontrar o equilíbrio emocional, não agir por impulso, criar uma estratégia e pouco a pouco caminhar nela. Na “brabeza” não sai,  não. Na loucura também não. Todo dia eu aprendo algo ali.

Ser casado também é uma experiência de transformação diária para mim. O cuidar, o abrir mão, o pensar além de mim, o se importar com o outro. Relações podem ser compostas de diferentes formas e propósitos, com diferentes regras, valores e princípios. Não há aqui um jeito certo ou errado, mas, ao menos para mim, tem que ser um caminho de evolução. E tudo pode ser. Tem que te fazer melhor.

Cuidar do jardim, do animal de estimação, uma caminhada, um livro, consertar o encanamento estourado, cuidar de idosos, recolher o lixo dos banheiros da escola. Acredite. Tudo pode ser um caminho de evolução. Porém, eu creio que exige uma condição. Ou melhor, duas. Fazer com amor e ter presença plena. E aqui é onde a coisa pega. O que mais tenho notado ultimamente é como as pessoas estão distraídas.

Quando recebo um aluno novo, invariavelmente, meu primeiro trabalho é desacelerá-lo e trazê-lo ao presente. Não fazer os movimentos no automático. Se relacionar, sentir e perceber seu corpo. Se comunicar com ele. Aí sim a aula passa a ter sentido. Aí sim ela provoca evolução. Tenho percebido hoje em dia que a tendência é exatamente o contrário. Tudo é muito descartável e breve. Não temos tempo para mais nada. Não desfrutamos nada. Não vivemos no presente.

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Até o WhatsApp trouxe como sua mais última atualização a possibilidade de aumentar as mensagens de voz em 2x. Em breve, os cinemas trarão a opção 2x, até que isso possa ser normalizado e então a próxima atualização será o 4x. Vivemos uma lógica das relações curtas e com pouca profundidade. Preocupamos-nos mais com o que vamos postar nas redes sociais durante uma viagem do que viver essa viagem. E o dia que as redes sociais saem do ar parece que nossa vida saiu também.

Como diria Sócrates, está acontecendo tudo. Mas, o Daniel está tão autocentrado e vendo o mundo em 2x que para ele não está acontecendo nada. E assim, vamos vivendo nossa vida em busca de coisas, situações e condições que nos devolvam o propósito na vida. Aliás, por isso a palavra propósito está tão em voga, porque escolhemos a busca por ele como solução para nossa vida vazia. Então, a vida valerá a pena quando eu encontrar um grande amor, trocar de emprego, conhecer Veneza, ter um filho, morar em uma cobertura, ter 100 mil seguidores.

O ponto é que quando você tiver tudo isso você vai querer outros “issos”. E esse ciclo nunca acaba. E a resposta para isso pode estar em todos os lugares. Até em um desenho infantil. O filme Soul, um dos últimos lançamentos da Disney, deixa claro que não há propósito, o que há é “só” a vida. Ou voltando a Sócrates, está acontecendo tudo. Pare agora, olhe à sua volta e enxergue esse tudo na sua vida. Toda sua evolução está ao seu alcance. Nos livros que compramos e não lemos, nas caminhadas que fazemos sem olhar à nossa volta com a cabeça baixa no celular. Nas interações com os outros. Na escuta ativa. O caminho da evolução está a 360 graus a partir de você. Sem propósito. É só a vida.

Forte abraço,

Samorai

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