Espiritualidade prática, com Debora Pivotto

Espiritualidade e autoconhecimento conectados com a nossa saúde física e mental, com o coletivo e com a vida prática
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Por que a sujeira das folhas das árvores incomoda tanto algumas pessoas?

A rejeição pode indicar uma necessidade excessiva e doentia de limpeza. No mais profundo, que tipo de sujeira estamos querendo evitar?

Por Debora Pivotto
Atualizado em 21 out 2024, 22h28 - Publicado em 16 jun 2021, 20h16

Moro numa casa no Planalto Paulista, bairro residencial da Zona Sul de São Paulo. E no meu jardim tem um lindo pé de Manacá da Serra e dois pés de Dedaleiro – três árvores que ficam incrivelmente floridas nesta época do ano. Eu acho lindo, adoro ficar na rede ou sentada no quintal olhando para este pedaço de natureza que tenho em casa. Mas a minha vizinha odeia a “sujeira” que as folhas e flores fazem no seu quintal de piso de cerâmica branco.

Eu descobri que as árvores a incomodavam há uns seis meses, quando fui até a casa dela pedir ajuda pra cuidar de dois filhotes de sabiá, que tinham ninho em uma das árvores, e que estavam quase caindo no quintal dela, onde circulavam seus dois cachorros da raça chow chow. Eu fui até a casa dela toda feliz pensando que ela se comoveria com a história dos pequenos pássaros e quem sabe até prenderia os cachorros no quintal da frente por alguns dias. Mas eu não só não consegui nenhuma ajuda como ainda passei 15 minutos ouvindo como aquelas flores e folhas davam muito trabalho pra ela! “Eu tenho que limpar esse quintal quase todos os dias” e blá blá blá.

Fui embora frustrada e com a energia meio pesada de tanta reclamação que eu ouvi, mas a história tinha parado por aí. Os passarinhos conseguiram alçar seus vôos sem virar comida dos cães e eu nunca mais precisei falar com esta vizinha.

Tudo parecia bem. Até que neste fim de semana, o marido dela veio até a minha casa. Disse que estava “pedindo autorização” para fazer a poda das árvores que estavam invadindo o seu quintal e causando muito transtorno. E disse que já tinha agendado o serviço para o dia seguinte às 7h da manhã!

Eu fiquei passada. Em termos legais, eu sabia que não tinha muito o que fazer. A lei diz que você pode fazer o que quiser com a parte da planta/árvore que está no seu terreno. Mas nós – eu, meu marido e um outro casal vizinho – tentamos muito argumentar o quanto as árvores eram lindas, que a floração maior era só nesta época do ano, que era muito importante para a cidade não destruir as poucas árvores que tínhamos etc… mas a mulher estava irredutível. Ela não falava, basicamente gritava, de forma agressiva, alegando que não era obrigada a conviver com aquela sujeira e que o que estivesse no terreno dela, ela ia podar.

O meu único pedido foi: por favor, tire os galhos mas não o tronco! Imaginei que isso ajudaria a árvore a se restabelecer mais rapidamente. Mas quando a gente acordou no sábado, o cenário já era devastador. As duas árvores simplesmente não tinham mais copa! Restaram apenas dois pequenos troncos secos e pelados.

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Minha primeira reação foi de muita raiva. Poxa, eles tinham dito que preservariam parte de tronco e podaram tudo! Me senti tão mal em ver aquilo. Fui até a casa deles, quis tirar satisfação, mas felizmente eles não estavam e um barraco desnecessário foi evitado.

E depois de eu me acalmar, me veio um choro de profunda tristeza. Pelas árvores que estavam agora quase sem vida, pela devastação do meu jardim e a nova vista para caixa d’água e, principalmente, por essa falta de conexão com a Natureza que a minha vizinha e tantas outras pessoas têm, especialmente em grandes cidades como São Paulo.

Como falei numa coluna anterior, a conexão com a natureza externa tem muito a ver com a conexão com a nossa natureza interna, com o nosso mundo subjetivo e emocional. A gente sabe o bem-estar que sentimos quando vamos a uma praia ou fazemos um passeio no parque.

E a árvore, especificamente, tem um simbolismo muito forte com a vida e o nosso processo de desenvolvimento como ser humano. Ela cresce sempre em direção ao sol, é um simbolismo desse processo de união entre o céu e a terra, a relação entre consciente e inconsciente, a necessidade de ter raízes fortes na terra para poder crescer e alcançar sua plenitude e transcendência. É profundo. Em diversas religiões e culturas, existem árvores que são consideradas sagradas: o baobá, as oliveiras, a samaúma, entre outras.

E essa rejeição dos restos da planta para manter um quintal limpo também indica uma necessidade excessiva de limpeza que, na verdade, é um tanto doentia. No mais profundo, que tipo de sujeira estamos querendo evitar? O que rejeitamos na nossa natureza íntima e instintiva?

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Essa aniquilação do que é orgânico em favor de uma aparente limpeza é algo bem familiar pra mim. Na casa onde eu cresci no interior de SP havia primaveras lindas que formavam pergolados naturais sobre uns bancos de cimento no quintal. Eu amava sentar embaixo deles, me sentia naquele filme “O Jardim Secreto”, sabe? Um belo dia, o jardineiro foi chamado pra cortar tudo porque as flores e folhas faziam muita sujeira. Fiquei arrasada. Já na adolescência, tive mais um golpe ao ver que o pé de jabuticaba que era a principal atração do jardim da casa da minha avó tinha sido arrancado. O motivo era o mesmo: fazia muita sujeira. Num quintal de cimento cinza e grosseiro, horrível. Foi bem na época em que minha avó, que sempre foi tão conectada com a terra e com as plantas, começou a apresentar sinais de Alzheimer. Achei simbólico.

Enfim, sigo no luto pelas minhas árvores que agora viraram dois troncos secos. Vai levar tempo, mas torço e acredito no poder surpreendente da natureza – humana e das árvores – de crescer e se regenerar.

Sou Debora Pivotto, jornalista, escritora e terapeuta. Trabalhei por 13 anos em grandes redações do país até descobrir que os assuntos que mais me interessavam estavam dentro – e não fora – das pessoas. Apaixonada por autoconhecimento e comunicação, faço uma espécie de “reportagem da alma” com a terapia de Leitura de Aura, ajudo as pessoas a reconhecer e manifestar os seus dons e talentos facilitando um processo de autoconhecimento chamado Jornada do Propósito, e estou me especializando em Psicologia Análitica Junguiana. Adoro compartilhar meus aprendizados em textos, vídeos e workshops. Para saber mais, me acompanhe pelo instagram @deborapivotto.  

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