Liberdade menstrual: calcinhas e biquínis para treinar e até nadar
O desempenho atlético e o tempo de lazer de uma mulher não devem ser afetados por seu ciclo menstrual
Durante esta Copa do Mundo Feminina da FIFA, foi maravilhoso ver os holofotes se voltarem para as atletas femininas. O mesmo tem acontecido em outras competições como as Olimpíadas Pan-Americanas e até a Copa do Mundo de Alpinismo, todas que aconteceram este ano.
Mas uma atleta chamou a atenção de uma maneira irreverente. Mikaela Shiffrin, esquiadora estadunidense, terminou a temporada com os títulos geral, slalom e slalom gigante. Mas Shiffrin quebrou mais do que recordes de esqui nesta temporada. Ela também quebrou um tabu nos esportes – ela falou sobre seu ciclo menstrual.
Em entrevistas após as vitórias consecutivas, ela contou que estava exausta: ela não dormia bem e geralmente se sentia mal antes da corrida, pois foi “uma época infeliz do meu ciclo menstrual”. E, embora tenha mencionado seu ciclo, ela expressou certo constrangimento, dizendo que provavelmente não deveria falar sobre isso em suas entrevistas.
E não é só atletas profissionais que sentem esse constrangimento. “Eu sempre fui de praticar esporte”, conta Raíssa Assmann Kit, de 29 anos, “mas quando eu era adolescente eu procurava correr com o casaco amarrado na cintura ou até faltava aos treinos quando estava menstruada.”
Raíssa então resolveu olhar para isso de outra forma durante sua formação como engenheira química. Foi nesta época que ela fundou a Herself, marca que ressignificou a menstruação por meio de produtos altamente tecnológicos e seguros – foi assim que a gaúcha criou os primeiros biquínis e calcinhas menstruais do Brasil.
ESPORTES E MENSTRUAÇÃO
A vergonha que envolve as conversas sobre menstruação, especialmente no âmbito dos esportes, não é surpreendente. É típico da forma como, durante séculos, as pessoas encararam o ciclo menstrual como uma fraqueza.
E, no entanto, a menstruação é uma função biológica normal e uma realidade para metade da população em todo o mundo. Os preconceitos e a falta de abordagem sobre o assunto levaram à perda de oportunidades e ao desperdício do potencial de diversas meninas — a maior evasão dos esportes em meninas acontece entre os 9 e 12 anos, justamente quando acontece a primeira menstruação.
Durante séculos, o ciclo menstrual foi usado como desculpa para manter as mulheres fora da arena atlética. Os antigos gregos e romanos acreditavam que a atividade física prejudicaria a capacidade reprodutiva da mulher. No final do século 19, o médico Edward Clarke escreveu em seu livro Sex in Education que as mulheres deveriam abster-se de exercícios durante a menstruação. Ele explicou que esta atividade não essencial minaria a energia vital das mulheres, deixando-as fracas e danificando os seus órgãos reprodutivos.
Em fevereiro de 2023, o jogador de golfe Tiger Woods colocou um absorvente interno na mão do colega jogador Justin Thomas depois de ultrapassá-lo no nono buraco durante a primeira rodada do Genesis Invitational. Woods não apenas insinuou que Thomas jogava “como uma menina”, mas também reforçou a noção de que o ciclo menstrual é uma desvantagem para o desempenho atlético.
Com tudo isso, faz sentido que as mulheres tenham sido condicionadas a subestimar ou ignorar o seu ciclo para ter acesso ao esporte, mas será que ele realmente afeta o desempenho?
A verdade é que o ciclo menstrual é complexo e seus efeitos podem variar entre atletas e esportes. No meio médico e científico, há divergências sobre se o ciclo menstrual afeta universalmente o desempenho atlético, com algumas pesquisas indicando nenhuma influência no desempenho.
O CICLO MENSTRUAL COMO ALGO NORMAL
Já quando adolescente, Raíssa achava absurdo os absorventes menstruais serem colocados na farmácia ao lado de fraldas geriátricas, como se fosse um produto para tratar um problema e não algo que faz parte da vida das mulheres pela maior parte de sua existência.
Com a criação da Herself, ela quis justamente usar a moda (já que as roupas da marca procuram ter estilo e não dar aquela roupagem de “calcinha de vó”, como vemos em muitos produtos menstruais) como uma ferramenta para colocar a menstruação como algo que faz parte do nosso dia a dia.
Em 2016, a engenheira conversou com diversas mulheres pelo Brasil todo que nem mesmo imaginavam que havia outra alternativa para conter o ciclo que não o absorvente descartável — “a mulher apenas acostumou a essa ser a única solução que nos oferecem”, diz. Todas se interessaram pela possibilidade de uma calcinha absorvente que as permitisse viver o dia a dia de maneira mais confortável e até treinar ou nadar — 70% das entrevistadas afirmaram que deixavam de praticar atividades físicas durante o ciclo.
Foi então que ela deu início ao financiamento coletivo e, em 2017, a Herself foi criada.
TECNOLOGIA PARA LIBERDADE
Você pode ter acompanhado recentemente a revolta que assoou muitas mulheres online ao descobrirem que, apenas em 2023, pela primeira vez, a absorção de um absorvente descartado foi testada com sangue em vez de água antes de ser lançado.
Essa diferença, claro, afeta a forma como o produto funciona de fato e é a razão porque muitas mulheres sentem que seus absorventes não “seguram” o ciclo.
Diferentemente, por ser comandada por mulheres desde seu início, as calcinhas e biquinis da Herself sempre foram testados com menstruações reais, por pessoas que menstruam, antes de serem lançados.
Os produtos contam com 4 camadas de tecido: uma cobertura de algodão, um tecido ultra-absorvente, um tecido antimicrobiano que evita odores e um tecido impermeável na camada mais profunda.
Essa tecnologia permite até 12 horas de uso da calcinha, dependendo da intensidade do ciclo (contra apenas 4 horas do absorvente descartável).
Plástico, substâncias químicas e perfumes sintéticos: esses componentes estão presentes nos absorventes descartáveis, o que provoca irritações e alergias a inúmeras mulheres. Em contrapartida, os produtos da Herself têm tecnologia antimicrobiana e transpirável — não desequilibram seu PH vaginal e são mais indicados para saúde íntima.
Além de, claro, serem reutilizáveis, algo que é benéfico não apenas para o maio ambiente mas também por mulheres em situação de vulnerabilidade social, que não têm condições de comprar o absorvente descartável todo mês — a Herself tem um projeto com a população penitenciária feminina que já foi adotado pelo governo de quatro estados (Rio Grande do Sul, Ceará, Minas Gerais e Roraima).
NADANDO MENSTRUADA
Sim, nadar enquanto está menstruada. Parece uma ideia distante mas as calcinhas e maiôs criados por Raíssa não apenas permitem que você use os produtos para tomar sol à beira da praia ou piscina.
A tecnologia deles permite que você de fato entre na água, sem a necessidade de nenhum método de barreira interno (como com absorventes internos ou coletores menstruais).
“Eles são indicados para ciclos mais leves ou moderados ou para aquele momento em que o ciclo já não está mais tão intenso; e permite a submersão em água por até 1 hora”, explica.
Depois dessa hora, é indicado que você fique no sol ou procure secar o biquini com uma toalha antes de voltar para a água novamente.
Quem imaginou que daria para continuar praticando nossos esportes (até mesmo os aquáticos) normalmente, sem a necessidade de reprimir nosso ciclo? “Pra mim isso sempre foi um sonho e fico feliz de levar isso a outras pessoas”, conclui Raíssa.
*A Boa Forma acredita na iniciativa da Herself e lançou uma coleção junto à marca. Para conferir e adquirir os produtos, é só acessar o site.