Drik Barbosa: a saúde mental e a Síndrome de Impostora
Em meio a um ensaio que mostra sua nova fase, a cantora conta à Boa Forma sobre os desafios de viver como uma mulher preta de 31 anos
“Calma, respira… Tem algo maior que nos guia.” Esse é um dos versos favoritos de Drik Barbosa em seu projeto NÓS. A música “Calma, Respira”, escrita junto com Evandro Fióti e com Péricles de parceria, fala sobre relacionamentos, sejam amorosos, de família, de amigos… Mas o que deixa a cantora com vontade de chorar toda vez que ouve a canção é também o contexto em que ela foi lançada:
“Eu peguei Covid na semana do lançamento da música. Não cheguei a ficar internada, mas foi uma doença muito impactante. Pra mim, foi como se eu cantasse pra mim mesma. Eu estava respirando mal com a Covid, então a música me trouxe paz.”
Esse é o efeito que a música de Drik tem também nas outras pessoas. Ela já foi descrita como a voz que representa a mulher preta — já que a artista canta sobre essas vivências –, uma posição que ela não vê como fardo, mas como uma grande responsabilidade. E intrínseca e essa responsabilidade está a de se fortalecer individualmente. Como parte do coletivo mas também como mulher única. “Nós não vamos vencer as lutas se não tivermos as ferramentas individuais para lutar.”
É por isso que, em sua nova fase, ela explora os desafios de se encontrar como uma mulher de 31 anos (feitos recentemente, em 21 de Abril), de preservar a saúde mental e de lutar contra a síndrome de impostora.
O que é bem-estar pra você?
Falando com a vivência que eu tenho hoje, bem-estar pra mim é estar presente. É uma das coisas que está sendo difícil pra nossa geração, mas com presença a gente entende o que está sentindo e como lidar com isso. E nisso engloba tudo, o cuidar da minha saúde, da minha alimentação, ter tempo pra minha arte. A arte demanda tempo, atenção, presença… Então tudo caminha pro “estar presente”, pro se ouvir, se escutar.
Você sente que sua perspectiva mudou após os 30?
Sim. Eu estou num momento de acolher a mulher adulta que eu me tornei. Por isso que esse shooting de hoje, com uma “nova cara” é importante pra mim. Eu quero que minha imagem passe como eu me sinto agora, não só firmar o estereotipo da mulher rapper que se veste e fala daquele jeito. Eu sou uma pessoa por trás dessa rapper, uma pessoa que tem outras nuances. Acho que uma coisa importante que a gente tem avançado dentro do movimento hip hop é respeitar a individualidade. A gente faz parte do coletivo mas a gente tem que ser livre dentro do coletivo.
E nessa jornada, você tem cuidado da sua saúde mental?
Sim. Eu medito e faço exercício físico mas também tenho minhas terapias próprias. A escrita é uma terapia pra mim, por isso eu me encontrei naturalmente fazendo musica. Eu faço um exercício de criatividade que é acordar e escrever 3 paginas de qualquer coisa que vier na minha cabeça, como primeira coisa do dia. Isso além de de exercitar minha observação da minha própria mente também é colocar pra fora minhas preocupações, o que me aflige. Isso é autocuidado pra mim.
Eu me preocupo muito com a saúde mental, o projeto NÓS tem esse proposito, que é falar sobre saúde mental enquanto pessoa preta no brasil, tendo que lidar com tantas violências psicológicas além de físicas.
Você passa a imagem de uma mulher confiante. Você diria que é?
Eu sou mas ao mesmo tempo, eu lido com muitas inseguranças. No palco, enquanto faço música, é o momento em que me sinto mais confiante. Me sinto poderosa, sinto que tenho uma força maior do que tenho no dia a dia lidando com o cotidiano.
Mas, na vida pessoal, tem todas as barreiras e inseguranças de ser uma mulher preta na nossa sociedade, muitos traumas que eu estou curando ao longo dos anos, o que é um processo lento e doloroso. Eu sempre lembro da minha mãe quando viu um show meu primeira vez e me achou muito diferente de como sou no dia a dia, porque eu sou calma, e no palco eu me sinto um furacão, então é uma parte que eu preciso trazer mais para o meu dia a dia.
Só que, por mais que a gente tente se amar, a sociedade faz a gente duvidar até mesmo se merece esse autoamor.
Quando você começou a ter essa percepção de que é preciso construir a própria autoestima — já que a sociedade não vai te ajudar nisso?
Foi principalmente na adolescência. Eu sentia que não pertencia a nenhum lugar. Não conseguia ver onde eu me encaixava no mundo. E podem até falar que “todo adolescente sente isso”, mas é diferente pra mulher preta porque eu também tinha que lutar contra essa convicção de que me foi colocada.
Foi no hip hop que eu encontrei acolhimento, encontrei um coletivo que olha pra mim e me vê como igual, vê que eu tenho direito aos mesmos direitos que todos temos que ter. São pessoas que se preocupam comigo, com minha saúde, minha arte… Então só depois desse contato, eu vi que não tá certo como o mundo me trata.
Você já pensava em fazer uma carreira no movimento?
Jamais. Entra aí de novo o lutar contra o que a sociedade via como possível pra mim. Eu não via a possibilidade de ser artista. Infelizmente, a maioria das pessoas pretas não veem essa possibilidade e elas não são incentivadas nem pelos pais às vezes, porque também é colocado pra eles que não é uma área de vivência pra gente.
Eu tenho uma família muito musical, um tio que é cantor profissional e eu amava ver ele cantando, mas eu não conseguia me ver nesse lugar.
O rap se mostrou possível pra mim porque eu não precisava estar no mainstream pra ser reconhecida, eu tinha aquelas pessoas e eventos voltados pra reconhecer o que eu fazia e estava confortável com isso. Mas aí quando vi o Emicida entrando em espaços que me falaram que eu não podia estar, eu pensei “se ele entrou, eu acho possível eu entrar também”, aí eu comecei a me ver em espaços pra grandes públicos. Por isso, eu fico muito feliz quando vejo crianças ouvindo minha musica, porque se eu tivesse tido essa proximidade, visse que é possível, eu acreditaria mais na minha arte. Mas até hoje rola uma “síndrome de impostora”.
A “Síndrome de Impostor”, inclusive, é muito comum em mulheres pretas, o que mostra que é um problema da sociedade.
Sim, se a gente não se vê representada, vamos sempre duvidar se esse é nosso lugar. Eu estive em uma roda de conversa promovida pelo Laboratório Fantasma e a pauta foi essa: síndrome de impostora, com a Mafuane, uma professora maravilhosa. Ela diz que não é uma doença, não é algo que nasce com a gente, é algo que a gente vai aprendendo com a sociedade e é naturalizado que a gente, como pessoas pretas, se boicote, por não vermos representações positivas de ser um profissional negro.
Estamos avançando com muita luta mas falta muito ainda.
Você se coloca muita pressão?
Sim. Mas uma coisa que eu tento deixar claro pra mim é que a gente precisa saber lidar com o tedio. Não temos que ser produtivos o tempo todo. A gente se pressiona a fazer muita coisa a todo tempo mas eu percebo que é quando eu tô tomando banho, quando eu tô relaxada, que as ideias vêm. A gente precisa disso.
Como sociedade, a gente ignora o momento de descanso, de tédio, precisamos estar produzindo o tempo todo e isso não é saudável. Eu me dou ao direito de não escrever uma musica e tá tudo bem, não sou má artista por isso.
Mas você construiu uma carreira incrível e já trabalhou com muitos nomes. Tem algum que ainda é um sonho?
Eu jogo a ideia no universo de um dia trabalhar com a beyonce. Não sei se um dia ela vai me notar, mas ela é minha artista favorita. Mas tirando ela, ultimamente tem muitos nomes nacionais que eu amo e acho que daria um match bom, como o Gilberto Gil, a Ivete Sangalo, a Ludmilla e Iza, que são grandes referências pra mim e outras mulheres pretas. É difícil escolher um nome só.
E na vida pessoal? Em “Cabeça Erguida” você fala tirar sonhos do papel. Tem algum na área pessoal?
Pra mim, uma prioridade é poder proporcionar mais conforto e segurança pra minha família. Eles suam muito e tem pouco tempo pra eles mesmos, tempo de bem estar, então um proposito é cada vez mais ajuda-los a trilhar a vida de uma forma mais leve.
E falando só de mim, eu quero muito poder conhecer mais o mundo, outras culturas, outras pessoas, porque isso vai me ajudar a evoluir como pessoa, sair da minha bolha. O resto, eu sinto que já estou fazendo, que é cuidar de mim, me dar atenção.
:: Quem foram suas referências de beleza crescendo e quais são hoje?
Quando eu crescia eu queria muito me ver no que eu consumia, ver a beleza de mulheres como eu e, a partir disso, ver a minha. Então a Thaís Araújo era uma grande referência. A Elza Soares também, porque ela sempre mostrou a personalidade no seu look e eu peguei isso pra mim como artista.
Hoje, como mulher adulta, eu enxergo ainda mais no dia a dia as minhas referências de beleza. De muitas mulheres pretas lindíssimas que vejo na rua com maquiagens muito legais, por exemplo. Isso me inspira, as mulheres não publicas.
:: Quais são seus cuidados com a pele?
Eu faço um skincare diario que é lavar, hidratar e proteger a pele com protetor solar. Não durmo de make de jeito nenhum, independente da hora que chego do show. E também cuido da alimentação, bebo muita água e procuro dormir bem. Cuidar da saúde geral também transparece na pele.
:: E qual sua relação com seu cabelo?
A historia do meu cabelo é a de muitas meninas pretas. Minha mãe não sabia lidar com ele nos anos 90, então ela o alisava. As outras crianças zombavam do meu volume, adultos olhavam feios e minha mão não queria que eu passasse por isso.
Eu continuei alisando por muitos anos porque não me imaginava bonita com o cabelo natural. Até 2013. Com 21 anos, eu decidi fazer a transição capilar. Foi um processo difícil porque você fica com as pontas lisas enquanto a raiz tem volume, eu não me sentia bonita naquele momento. Aí quando corte as partes lisas, eu senti uma liberdade tão boa, eu fiquei apaixonada pelo meu cabelo natural.
Eu gosto de brincar com ele, mudo muito de cabelo: uso trança, rabo, até escova se eu quiser, mas por escolha minha. Isso criou uma conexão mais forte com minha autoestima, minha ancestralidade, minha negritude. Muitos lutaram pra eu me sentir assim hoje e isso é muito simbólico.
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Diretora de arte: Kareen Sayuri
Concepção visual: Catarina Moura e Eduardo Pignata
Editora: Larissa Serpa
Fotógrafa: Priscilla Haefeli
Trancista: Regiane Alexandre (Juba Trançadeira)
Penteado: Karen
Beleza: Carol Romero
Styling: Yumi Kurita
Produção de moda: Larissa Yumi e Pedro Mendes
Agradecimentos: Westwing Brasil