As causas das dores – capítulo final
Tudo precisa acabar. Neste universo tudo tem seu fim. Ciclos precisam se encerrar para que novos apareçam. E com a nossa série de posts sobre as causas das dores não pode ser diferente. Até teriam mais causas para abordar além das que eu trouxe aqui ao longo deste texto e nas últimas três semanas, mas a verdade é que elas são infinitas, assim como os assuntos que ainda temos que explorar. Então o fim se faz necessário. Aliás, falando em dores, quantas delas não tem em suas causas o apego. Ao tentar manter vivos ciclos que já se esgotaram, como trabalhos que não queremos mais, relacionamentos que não constroem, amizades que não fazem mais sentido, e muitas outras coisas que não abrimos mão. Esse apego trás dores emocionais, que se revertem também em dores físicas.
Poderíamos então classificar o apego como causa de dores. Talvez por isso a onda minimalista tem crescido. Grandes sábios já decretaram que seremos felizes quando tudo que necessitamos couber numa mochila. Ou como diria o gênio Eddie Vedder em Society, “se você pensa que tem que querer mais do que você precisa, até você ter tudo, você não estará livre.” E se não é livre, não tem autonomia. Minha definição de reabilitação é prover autonomia. O apego estaria então, indo na contramão disso. Pensando dessa forma, observar nosso estilo de vida pode fazer sentido no processo de reabilitação. Rever a forma como encaramos nossa jornada e os valores que empregamos nela, muitas vezes cheios de crenças limitantes, que nos impede de aflorar. De ser quem poderíamos e desejaríamos ser. Eu tenho uma aluna que é uma senhora que não percebeu que seu filhinho de 40 anos já cresceu e continua a “protegê-lo” da vida, assumindo assim tarefas que não a cabem mais, e voltando toda segunda feira, após um fim de semana cuidando de assuntos que deveriam ser dele, morrendo de dores na coluna. Esse comportamento é ruim para o corpo dela assim como para o emocional dele, sempre dependente da mãe, tendo assim mais dependência ou, menos autonomia. Podemos classificar então o estilo de vida ou até mesmo as crenças limitantes como causas das dores.
Em cima desse mesmo exemplo podemos aumentar essa lupa e ver a importância do descanso. Algumas culturas ou crenças (olha elas aí novamente) acreditam que o valor se dá no trabalho. Sendo assim o descanso passa a ser mal visto. Mas é no descanso que nosso corpo se regenera e consegue se reabilitar. Acredito fortemente que não promovemos a cura mas criamos as condições dela ser estabelecida. Uma delas é descansando. A ausência de descanso pode ser visto também como uma causa das dores.
Outro fator que provoca muita dor é o estresse. Alguns trabalhos são estressantes por natureza, seja do ponto de vista físico, como um pedreiro ou um dentista, seja do ponto de vista emocional, uma cirurgiã neonatal, um carcereiro, ou alguém que trabalhe em banco, cujo produto é o dinheiro, e o valor também. Quando sofremos cargas imensas de estresse precisamos criar maneiras de aliviá-las, como contato com a natureza, alguma atividade esportiva, artística ou meditativa e contemplativa. Precisamos equilibrar e harmonizar corpo, mente e espírito. Sendo assim, a desarmonia destes e o estresse também são causas de dores. Entretanto, não é esse o caminho que a maioria escolhe. Uma vez muito estressado, as compensações vem de alimentação inadequada, drogas, álcool e remédios. Com o estresse vem a dificuldade de dormir e descansar, que por sua vez são compensados com remédios para dormir e associados à drogas, álcool e “junky foods” fazem o sujeito dormir como uma pedra, oito horas na mesma posição. Ao acordar tem dores por todo o corpo e acredita que foi a posição de dormir, quando na verdade, as causas dessas dores foram alimentação inadequada e toda forma de drogas, lícitas ou ilícitas, que nasceram do seu estresse ou da frustração de uma vida em desarmonia.
Para compensar isso, também procuramos ajudas que aparentemente são mais saudáveis e naturais, como as academias. E aqui eu vejo que a solução muitas vezes são causas de mais problemas porque treinamentos inadequados e disfuncionais também são causas de dores. Mas o que seriam esses treinamentos? Todo e qualquer um que estimule o corpo de uma forma que ele não foi feito para trabalhar. Um bom exemplo é o treinamento isolado ou a musculação. Nosso corpo é feito para se mover de forma integrada, ou o oposto do isolado. Logo, quanto mais isolado menos integrado, ou menos apto a executar as tarefas do dia a dia ou da nossa prática esportiva, gerando assim dores e lesões. Além de desintegrar o movimento, o treinamento disfuncional provoca dois outros problemas que também são causas de dores: a desarmonia muscular e entre os planos de movimento. Deixe-me explicar melhor o que é cada uma delas. Alguns músculos, como o quadríceps, são mais complexos, formados por diferentes músculos. Neste caso, o quadríceps é composto por reto femoral, vasto medial, vasto lateral e vasto intermédio. Todos esses quatro músculos tem diferentes origens porém sua inserção é a mesma, o tendão patelar. Ou seja, esses quatro músculos trabalham juntos e estão presos na patela do seu joelho. Estudos feitos com eletromiografia mostram que exercícios como a cadeira extensora dão muito mais ênfase ao vasto lateral e reto femoral, numa proporção de 9 pra 1 destes em relação aos outros dois. Traduzindo, 90% da ação muscular neste exercício será realizada pelo reto femoral e vasto lateral. Sendo assim estes ficarão muito mais fortes que os outros. Isso não seria tanto problema se não estivessem presos no mesmo tendão. Mas o fato é que estão, e como o vasto lateral fica muito mais forte que o medial, quando precisamos nos mover no dia a dia em tarefas funcionais com agachar e sentar, o vasto lateral, por ser mais forte, “puxa” esse movimento para si, lateralizando a patela, tirando-a do seu trilho e atritando com a cartilagem, gerando assim lesões como artrose e condromalácia, lesões estas que possivelmente não ocorreriam se não tivessem utilizado esse equipamento, cadeira extensora, que realiza um movimento que não é funcional, ou seja, não fazemos no nosso dia a dia, só nesse equipamento.
A desarmonia entre planos é um pouco diferente embora siga o mesmo caminho. Nosso corpo é tridimensional, ou seja, composto por três planos de movimento. Se ele é orientado tridimensionalmente, para aperfeiçoá-lo devemos treiná-lo tridimensionalmente. Entretanto a maioria dos métodos de treinamento tradicional dão muito ênfase a um plano (sagital) em detrimento de outros dois (frontal e transverso), gerando assim um desequilíbrio. Este por sua vez provoca dor. Muitos dos processos de reabilitação que faço no meu instituto se dá apenas estimulando esses planos negligenciados. E se essa foi a solução significa que a causa foi a desarmonia entre eles.
Falando em aulas do meu instituto, ali eu pude ver como alguns fatores como distração, entendimento das tarefas e indisciplina podem ser causas de dores ou ao menos potencializadores destas. Quando treinamos compatível com a função humana percebemos claramente a diferença de complexidade destas tarefas para os exercícios de musculação. Isto posto, as deficiências dos alunos também aparecem mais claramente. Determinadas tarefas exigem foco e muitas pessoas hoje em dia tem muita dificuldade de mantê-lo, distraindo-se muito facilmente e assim se colocando em condições suscetíveis a lesões. Quando a tarefa é mais complexa também é necessário que ela seja bem entendida a fim de que a executemos da melhor forma. Quando não entendemos, expomos partes do nosso corpo desnecessariamente e que seriam preservadas se tivéssemos clareza do que nos é pedido e principalmente de como devemos executar. Porém, muitas vezes sabemos tudo que devemos fazer para termos eficiência, segurança e saúde mas não temos disciplina para nos manter na linha. Quem aqui não sabe como melhorar a própria dieta? Isso serve também para hábitos inadequados. Se a disciplina não é a causa da dor muitas vezes a ausência dela evita a reabilitação e assim sendo, passa a ser a causa da continuidade da dor. No instituto também usamos cargas pouco convencionais de maneiras pouco usuais em academias, porém muito comuns na vida real. Pense em pessoas carregando bebês ou sacolas de compras, transportando objetos ou cuidando do jardim e perceberá que ela agachará e manipulará coisas de todas as maneiras menos da forma que fazem nas academias tradicionais. Sendo assim, ao utilizar as cargas dessa maneira ficará claro como muitas delas não sabem como manusear adequadamente um peso a fim de que muitas vezes ele se torne um aliado ao movimento e não um obstáculo. Ao aprender a utilizar a carga como contrapeso e alavancas a seu favor muitas dores se vão, o que nos faz assumir que manipular inadequadamente as cargas pode também ser causa de dores.
O fato é que inúmeras, ou infinitas podem ser as causas das dores. Uma delas é a ignorância. No sentido estrito da palavra. O não saber. E ao não saber que algo pode ser uma causa das suas dores provavelmente não será utilizado como solução. E muitas vezes são coisas simples que deixamos de abordar e, no desespero vamos por caminhos que podem ser uma estrada sem volta e sem cura, como cirurgias que também se revelam ao longo do tempo como causas das dores, como já abordamos nessa série. A solução para isso é buscar o conhecimento com o olhar 3D, enxergando através da nossa complexidade. E essa foi a ideia desta série. Enxergar além e te ajudar. Porque nada é mais difícil do que conviver com dores que parecem que nunca vão passar. Mas como disse no começo. Tudo um dia tem que acabar. Espero que tenha sido com as suas dores.
Forte abraço
Samorai